Homicídio duplamente qualificado pelo motivo fútil e pela utilização de
recurso que impossibilitou a defesa da vítima
Tribunal de Justiça de Santa Catarina
- TJSC
Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.017978-0, de Itajaí Relator: Des. Alexandre d'Ivanenko Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.017978-0, da comarca de Itajaí (1ª Vara Criminal), em que é apelante Eduardo José Schotka de Andrade, e apelada A Justiça, por seu Promotor: ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas de lei. RELATÓRIO O Ministério Público, oficiante na comarca de Itajaí, ofereceu denúncia contra Eduardo José Schotka de Andrade, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incs. II (motivo fútil) e IV (surpresa), c/c art. 29, caput, ambos do Código Penal, e art. 14 da Lei n. 10.826/03, todos na forma do art. 69 da Lei Substantiva Penal, pelos seguintes fatos assim narrados na exordial acusatória (fls. II-V): No dia 2 de abril de 2007, por volta das 3h30m, o denunciado EDUARDO JOSÉ SCHOTKA DE ANDRADE, juntamente com dois menores conhecidos apenas como "J." e "G." e ainda um terceiro indivíduo ainda não identificado, aguardavam no estacionamento do Clube Kubanacan, localizado na Avenida Reinaldo Schimithausen, Bairro Cordeiros, nesta cidade, dentro de um veículo Monza, a vítima Adilson Batista, vulgo "Capiau", a qual lá se encontrava. Desta forma, a vítima saiu do interior do referido estabelecimento e dirigiu-se até o estacionamento, onde havia deixado o seu carro, Audi, de cor preta, ocasião em que o denunciado, em junção de vontades com os dois menores, portando todos um revólver, calibre 38, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, agindo com evidente animus necandi e por motivo ligado à disputa de ponto de venda de tráfico de drogas, passou a desferir vários tiros contra a vítima, surpreendendo-a. Contudo, a vítima, mesmo sendo atacada de inopino, reagiu e entrou em luta corporal com o denunciado, chegando a rasgar um pedaço da camiseta de cor preta que Eduardo vestia, para posteriormente sair correndo. Ato contínuo, o denunciado e os outros dois indivíduos saíram atrás de Adilson e efetuaram mais alguns disparos, uma vez que os três estavam armados, vindo a atingir a vítima no dorso do pé direito, com saída de projétil em região medial; na região cervical a esquerda; na região cervical a direita; na região escapular a esquerda; na região pára vertebral a direita, com saída de projétil em região infraclavicular a esquerda; por fim, no flanco e na região ilíaca a direita, causando-lhe ferimentos que foram a causa efetiva de sua morte. Seguidamente, o denunciado e seus comparsas fugiram em direção a um terreno baldio atrás do clube, para posteriormente invadirem o terreno de fundos de uma residência, localizada na beira do rio, próximo da ponte Tancredo Neves. Nesse momento, os policiais militares foram acionados e dirigiram-se até o local, onde efetuaram buscas na região, avistando o acusado e os menores, porém eles se evadiram, sendo encontrado perto da ponte Tancredo Neves, apenas o denunciado, que foi preso em flagrante delito, ocasião em que além de confessar o crime, ainda firmou que os próximos a serem mortos seriam Marcelo Lázaro, vulgo "Ovelha" e Adriano, vulgo "O Galisteu". Não foi possível a apreensão das armas porque o denunciado e demais asseclas as jogaram no rio, juntamente com mais 30 (trinta) munições, calibre 38. Com Eduardo foi encontrada a quantia de R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais) e um torrão de maconha embalado em plástico de cor leitosa, pesando 13g (treze gramas), utilizado para uso próprio. A vítima ao ser socorrida foi levada até o pronto socorro do Hospital Marieta Konder Bornahusen, onde horas depois veio a óbito, sendo encontrada enrolado em uma de suas mãos, um pedaço de tecido, de cor preta, com diâmetro e textura semelhantes ao que estava na camisa do acusado. Com as contra-razões (fls. 293-298), os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer de lavra do Dr. Pedro Sérgio Steil, opinado pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 304-306). VOTO Inicialmente cumpre salientar, como bem observou o douto Procurador de Justiça, Dr. Pedro Sérgio Steil, que: Apesar de a defesa ter requerido, em suas razões recursais a absolvição direta do recorrente, eventual acatamento do pedido não poderia sobrepor-se ao entendimento dos jurados, efetivamente competentes, pela Constituição Federal, para julgar o crime de homicídio na denúncia. Na verdade, o pedido se adéqua ao art. 593, inc. III, alínea "d", do Código de Processo Penal, relativo à insurgência quando a decisão dos jurados apresentar-se contrária à prova dos autos (fls. 304-306). Destarte, entendo que estão presentes os pressupostos de admissibilidade, motivo por que o recurso há de ser conhecido. Haja vista que inexistem preliminares a serem debatidas, passo à análise do mérito. Primeiramente, há que se destacar que, conforme inteligência do art. 5º, inc. XXXVIII, "c", da Constituição Federal, as decisões oriundas dos Conselhos de Sentença são soberanas e, sendo assim, só podem ser declaradas nulas quando contrariarem as provas dos autos. Feita essa consideração, deve-se mencionar que a materialidade vem patenteada pela ficha de ocorrência de fl. 15, pelo boletim de ocorrência de fls. 16-17, pelo termo de apreensão de fl. 18, pelo laudo de exame cadavérico de fls. 59-62, pelo boletim de atendimento de urgência de fls. 71-72, pela ficha de atendimento hospitalar de fl. 73 e pelo laudo pericial de fls. 103-106. A autoria, apesar de negada pelo apelante no dia da realização do julgamento (fls. 253-257), ficou bem delineada pela prova carreada aos autos, mormente por sua confissão, na primeira oportunidade que compareceu em juízo (fls. 93-97). O Conselho de Sentença, por maioria, entendeu comprovadas a materialidade e a autoria do crime de homicídio doloso, qualificado pelo motivo fútil e pela utilização de meio que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, incs. II e IV, do Código Penal). As testemunhas ouvidas em juízo confirmaram a versão acusatória. Vejamos: Antônio Marcos de Souza - policial militar - relatou: Que foram acionados, via Copom, sobre uma tentativa de homicídio no Clube Kubanacan; que foram até o local e colheram informações de que os autores da tentativa, apesar de estarem com o carro, teriam fugido a pé, pelos fundos do tal clube e ingressado num matagal; foram feitas várias buscas no matagal e nas redondezas, mas ninguém foi localizado; que já estava voltando para o seu setor quando imaginou a hipótese de os agressores terem fugido através do rio, assim, o depoente estava passando na Rua Rui Vieira, quando vislumbrou três elementos; que no momento em que viram a viatura, eles empreenderam fuga e ingressaram numa residência [...] que iniciaram uma nova perseguição e acabaram localizando apenas o réu Eduardo; que o acusado Eduardo confessou a autoria do homicídio; que ele não portava mais a arma do crime; que Eduardo disse aos policiais que foi até o Kubanacan acompanhado de dois outros elementos, um deles menor, com o objetivo de seqüestrar a vítima, levá-la para um local ermo e matá-la, entretanto houve resistência por parte da vítima e o crime ocorreu no próprio clube; [...] (fls. 100-101 - grifei). O fardado Márcio Roberto Ramos, por sua vez, aduziu: “que o réu confessou o crime e revelou aos policiais a sua intenção era seqüestrar a vítima, levá-la para um lugar ermo e arrancar a cabeça da mesma; que o réu mandaria a cabeça da vítima para o "Ovelha" ou o "Andrezão"; que o seqüestro foi frustrado porquanto acabou entrando em vias de fato com a vítima; [...] que uma outra guarnição encontrou nas mãos da vítima um pedaço redondo de pano da cor preta; que a camiseta do réu, na altura da barriga, estava rasgada e faltava um pedaço redondo, idêntico àquele encontrado nas mãos da vítima” (fls. 144-145). Há nos autos, também, relato de testemunha presencial dos fatos, cujos nomes e qualificação foram "anotados em documento guardado em pasta própria, sob a guarda da escrivã judicial", que confirmou as palavras dos policiais militares e acrescentou: “que quando a vítima chegou perto do seu veículo, um Audi preto, foi surpreendida por três indivíduos, que estavam escondidos em um carro que estava próximo ao Audi; que entre esses três indivíduos estava o réu; que além do réu os outros indivíduos também estavam armados; que os três indivíduos então efetuaram disparos contra a vítima; que a vítima estava sozinha quando se dirigiu ao carro; que depois dos dois primeiros disparos a vítima agarrou o réu pela camisa, arrancando um pedaço da manga; que a vítima, então, mesmo ferida e não conseguindo desarmar o réu, tentou fugir e foi perseguida unicamente pelo réu; que o réu então efetuou mais disparos, não se recordando quantos;” [...] (fls. 151-153 - grifei). Nesse contexto, percebe-se, facilmente, que a versão escolhida pelo Conselho de Sentença não é contraditória, pelo contrário, todas as provas são convergentes, no sentido de que o réu foi o autor dos disparos, depreendendo-se do caderno processual, desta forma, elementos suficientes a embasar o posicionamento adotado. É oportuno destacar, ainda, que foi encontrada nas mãos da vítima pedaço de tecido semelhante ao da camiseta que trajava o apelante no dia do crime, conforme se afere do laudo pericial de fls. 103-106. Assim, apesar de não ter sido encontrado vestígios de chumbo nas mãos do réu, não favorece a defesa, pois, como bem observou a douta Promotora de Justiça, à fl. 296, "o Apelante, quando fugiu, entrou em um rio e nadou até a margem", o que provavelmente removeu as partículas do metal. Por fim, é de se mencionar que não cabe a esta Corte verificar qual das versões para os fatos seria a mais convincente - se a da acusação ou a da defesa - haja vista esta escolha competir, exclusivamente, ao Júri, podendo ser anulada a decisão, tão-somente, em caso de total dissonância entre a decisão dos jurados e as provas carreadas aos autos, o que definitivamente, não é o caso em comento. Neste sentido, colhe-se julgado desta Corte de Justiça: "Havendo nos autos prova capaz de justificar a opção dos jurados, mesmo que haja outros indícios em sentido contrário, não é lícito ao Tribunal de Justiça anular o julgamento do Conselho de Sentença por contrariedade à prova dos autos, sob pena de violar a soberana competência a este garantida constitucionalmente" (Ap. Crim. n. 2005.000722-9, rel. Des. Torres Marques). [...] RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Ap. Crim. n. 2008.048984-6, rel. Des. Subst. Túlio Pinheiro, j. em 14.10.2008 - grifei). Dessa forma, vê-se que a decisão dos jurados não foi contrária às provas dos autos, pois estes entenderam como mais verossímil a tese levantada pelo órgão do Ministério Público, ou seja, a de homicídio duplamente qualificado pelo motivo fútil e pela utilização de recurso que impediu a defesa da vítima. No que tange à dosimetria da pena, não há que se falar em alterações, uma vez que todas as suas etapas foram devidamente analisadas pelo presidente do Conselho de Sentença. Ex positis, sou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a decisão do Colegiado Popular. Observa-se que a comarca de origem deverá promover a(s) devida(s) comunicação (ões), conforme dispõe o § 2.º do art. 201 do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei n. 11.690/2008. DECISÃO Ante o exposto, a Terceira Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recuso e negar-lhe provimento. O julgamento, realizado no dia 16 de junho de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Torres Marques, sem voto, e dele participaram, com voto, os Exmos. Srs. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho e Des. Subst. Roberto Lucas Pacheco. Funcionou, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Jobél Braga de Araújo. Alexandre d'Ivanenko RELATOR |
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