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domingo, 8 de fevereiro de 2015

Tarefa inadiável



Na "Alegoria da Caverna", Platão afirma que para alcançar o saber e a felicidade é necessário o contato com as outras pessoas, e ela reside no plano da relação do indivíduo com o mundo.

Nessa relação encontramos duas espécies de desigualdades:

A primeira é a natural ou física, definida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças corporais e das qualidades do espírito ou da alma. A segunda é a desigualdade moral ou política, que depende da sociedade que foi estabelecida, ou ao menos autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste nos diferentes privilégios desfrutados por alguns em prejuízo dos demais, como o de serem mais ricos, mais respeitados, mais poderosos, ou mesmo mais obedecidos”.

Hoje dois ensinamentos são necessários hoje, por vivermos em um momento crítico para a sociedade brasileira:

O primeiro lembra que a dimensão social da nossa vida é desenvolvida por cada um de nós e que devemos agir como criadores de valores, e não aceitar ser arrastado pelos interesses das forças dominantes. Essas forças buscam apenas reforçar seu poder e multiplicar os seus ganhos. Elas conduzem o cidadão ao sacrifício econômico no afã de consumir cada vez mais o que ele menos precisa, transformando-o em escravo do consumo irresponsável.

Tais forças não demonstraram a menor preocupação com os danos provocados na nossa casa que é o planeta Terra e que hoje, desgastado, vive o momento da assustadora mudança climática, com a previsão de secas, fome, enchentes, miséria, desemprego.

O segundo ensinamento básico é de que a paz social não pode ser entendida como simples ausência de violência praticada por uma parte sobre a outra.

O fim da intranquilidade causada pela insegurança quanto ao nosso patrimônio ou vida não pode justificar o estabelecimento de uma organização social que se apóia apenas em um grupo armado que exige a cada dia mais verbas para sua manutenção. 

Tal sistema policial fica cada vez mais numeroso e equipado com as mais modernas armas. O Estado moderno está limitando a liberdade do ser humano em nome da segurança.  Cada passo e cada esquina são controlados pela vigilância eletrônica. Até as nossas compras podem ser rastreadas através do CPF. Cada e-mail ou telefonema é registrado e se usa tal comportamento também como desculpa de prevenção e punição do crime, se praticado.

A paz social não pode ser obtida com o simples aumento do efetivo policial nas ruas. Já está evidente que a ocupação maciça das ruas pela polícia não resolve a questão. Basta ver os repetitivos fatos no Rio com as declaradas “comunidades pacificadas”, as ocorrências policiais em São Paulo, Minas ... .

Todo esse equipamento mostra apenas que o crime já ocorreu. Ele é passado. Resta aplicar a punição. Mas todos sabem que este país ocupa lugar de destaque no pódio da impunidade. Na verdade somos o 3º do mundo em número de condenados em relação à população. Mas apenas uma pequena parcela dos homicidas é condenada.  Quantos estupradores? Quantos ladrões? E mais essa incontável gama de pequenos meliantes que inquietam o cidadão decente que trabalha, paga seus impostos, e suas contas no comércio.

O governante tornou-se aquele que diz garantir a minha pessoa. Cabe a pergunta: Quem vigia o governante, se é ele o único que tem a força e é  ele quem faz as leis? Quem impede que ele use a seu favor a máquina que o mesmo dirige?

Hoje, por incrível que pareça, o que se ouve dos parentes e amigos é a expressão do desejo de que o criminoso seja preso e não o desejo de se ter uma sociedade onde o apelo a soluções violentas seja bem menor, e nem são apresentadas propostas para uma vida social pacífica. Se as mulheres são desrespeitadas no interior dos ônibus ou vagões do metrô, o governo sugere estabelecer unidades pintadas de cor de rosa, exclusivos para as mulheres. Tal sugestão é absurda por ser paliativa, excludente, não reconhecer que o gênero feminino deve ser respeitado e não isolado. Os vagões especiais evitam que o governo faça o que deve: exigir o comportamento cidadão por parte dos desajustados.

Estamos nos iludindo com a simples mudança de nomes, enquanto o problema permanece. Os chamados “flanelinhas” surgem como uma profissão. Não estamos percebendo que eles permanecem na perigosa fronteira entre a esmola e a prática da extorsão. Agora mascarado como “profissão”, eles recebem uma curiosa “concessão” para explorar determinadas áreas públicas, que são entregues ao seu domínio. Por que não investimos neles assegurando cursos técnicos já que demonstram vontade de fazer algo? Nós simplesmente os abandonamos, com sua flanela e balde de água.

E o incentivo ao consumo de bens de forma compulsiva? As cidades não suportam mais tantos veículos particulares por causa de um Estado que não assegurou a mobilidade para as necessidades diárias.  Dizem ser necessário manter uma oferta de emprego na indústria automotiva, ainda que seu produto cause a infelicidade dos habitantes, perdidos em homéricos engarrafamentos ou horas sem fim para sua locomoção até seu lugar de trabalho.

Não investimos em ônibus, ou outro tipo de transporte, cujos usuários se sintam tratados com um mínimo de dignidade pagando uma passagem compatível com o salário mínimo que eles recebem e em número suficiente para a locomoção dos trabalhadores que a final não são respeitados no mínimo de seus direitos ou obrigações. Não investimos no transporte dos bens produzidos neste país, o que nos faz possuir um escandaloso custo Brasil, que se reflete em péssimas rodovias, uma malha ferroviária sem expressão ou hidrovias estranguladas por falta de água em determinados locais, que resultam  em inaceitável perdas de bens e vidas nas lastimáveis estradas  brasileiras.

Para se obter a paz social, deve-se pensar na dor que acompanha a perda de um pai ou esposo em caso de latrocínio. Deve-se levar em conta o fatal desequilíbrio econômico e afetivo que se abate sobre a família que perde alguém em tal circunstância.  A pessoa que sofre um estupro volta ao seu estado psíquico anterior só porque seu agressor foi fotografado? Isso porque ser punido é outra história.

Com base em fatos do dia a dia, quero lembrar que a paz social não pode ser obtida pela simples ausência de violência pela imposição da força de uma parte sobre as outras.

O apelo ao pão e circo, ou se quiserem, ao futebol e a TV para distrair o povo, só é eficaz por certo tempo.

As Malalas só queriam estudar, aprender a ler e escrever. Os primeiros cristãos foram sacrificados na antiguidade. A mulher árabe, malgrado todos os radicais, já está nas ruas e o cristianismo sobreviveu ao martírio.

A paz social só é obtida com a distribuição de renda, e verdadeira inclusão social dos pobres, o que exige muito mais que uma oferta periódica de alguns reais. Os direitos humanos não podem ser sufocados para que aqueles que gozam dos maiores benefícios possam manter o seu estilo de vida sem sustos.

Não há paz enquanto os demais sobrevivem como podem, ao lado de uma corrupção desenfreada que clama aos céus pela impunidade neste país.


Estabelecer valores que orientem a comunidade para a obtenção da paz social passa a ser agora, também, tarefa inadiável. 

(Trecho de um trabalho a ser publicado por João Franco)

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