Na
"Alegoria da Caverna", Platão afirma que para alcançar o saber e a
felicidade é necessário o contato com as outras pessoas, e ela reside no plano
da relação do indivíduo com o mundo.
Nessa relação encontramos duas espécies de
desigualdades:
A primeira é a natural ou física, definida pela
natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças
corporais e das qualidades do espírito ou da alma. A segunda é a desigualdade
moral ou política, que depende da sociedade que foi estabelecida, ou ao menos
autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste nos diferentes privilégios
desfrutados por alguns em prejuízo dos demais, como o de serem mais ricos, mais
respeitados, mais poderosos, ou mesmo mais obedecidos”.
Hoje dois ensinamentos são necessários hoje, por vivermos em
um momento crítico para a sociedade brasileira:
O primeiro lembra
que a dimensão social da nossa vida é desenvolvida por cada um de nós e que
devemos agir como criadores de valores, e não aceitar ser arrastado pelos
interesses das forças dominantes. Essas forças buscam apenas reforçar seu poder
e multiplicar os seus ganhos. Elas conduzem o cidadão ao sacrifício econômico
no afã de consumir cada vez mais o que ele menos precisa, transformando-o em
escravo do consumo irresponsável.
Tais forças não demonstraram a menor preocupação com os danos
provocados na nossa casa que é o planeta Terra e que hoje, desgastado, vive o
momento da assustadora mudança climática, com a previsão de secas, fome,
enchentes, miséria, desemprego.
O segundo
ensinamento básico é de que a paz social não pode ser entendida como simples
ausência de violência praticada por uma parte sobre a outra.
O fim da intranquilidade causada pela insegurança quanto ao
nosso patrimônio ou vida não pode justificar o estabelecimento de uma
organização social que se apóia apenas em um grupo armado que exige a cada dia mais verbas para sua manutenção.
Tal sistema policial fica cada vez mais numeroso e equipado
com as mais modernas armas. O Estado moderno está limitando a liberdade do ser
humano em nome da segurança. Cada passo
e cada esquina são controlados pela vigilância eletrônica. Até as nossas
compras podem ser rastreadas através do CPF. Cada e-mail ou telefonema é
registrado e se usa tal comportamento também como desculpa de prevenção e
punição do crime, se praticado.
A paz social não pode ser obtida com o simples aumento do
efetivo policial nas ruas. Já está evidente que a ocupação maciça das ruas pela
polícia não resolve a questão. Basta ver os repetitivos fatos no Rio com as
declaradas “comunidades pacificadas”, as ocorrências policiais em São Paulo,
Minas ... .
Todo esse equipamento mostra apenas que o crime já ocorreu.
Ele é passado. Resta aplicar a punição. Mas todos sabem que este país ocupa
lugar de destaque no pódio da impunidade. Na verdade somos o 3º do mundo em
número de condenados em relação à população. Mas apenas uma pequena parcela dos
homicidas é condenada. Quantos
estupradores? Quantos ladrões? E mais essa incontável gama de pequenos
meliantes que inquietam o cidadão decente que trabalha, paga seus impostos, e
suas contas no comércio.
O governante tornou-se aquele que diz garantir a minha
pessoa. Cabe a pergunta: Quem vigia o governante, se é ele o único que tem a
força e é ele quem faz as leis? Quem
impede que ele use a seu favor a máquina que o mesmo dirige?
Hoje, por incrível que pareça, o que se ouve dos parentes e
amigos é a expressão do desejo de que o criminoso seja preso e não o desejo de
se ter uma sociedade onde o apelo a soluções violentas seja bem menor, e nem
são apresentadas propostas para uma vida social pacífica. Se as mulheres são
desrespeitadas no interior dos ônibus ou vagões do metrô, o governo sugere
estabelecer unidades pintadas de cor de rosa, exclusivos para as mulheres. Tal
sugestão é absurda por ser paliativa, excludente, não reconhecer que o gênero
feminino deve ser respeitado e não isolado. Os vagões especiais evitam que o
governo faça o que deve: exigir o comportamento cidadão por parte dos
desajustados.
Estamos nos iludindo com a simples mudança de nomes, enquanto
o problema permanece. Os chamados “flanelinhas” surgem como uma profissão. Não
estamos percebendo que eles permanecem na perigosa fronteira entre a esmola e a
prática da extorsão. Agora mascarado como “profissão”, eles recebem uma curiosa
“concessão” para explorar determinadas áreas públicas, que são entregues ao seu
domínio. Por que não investimos neles assegurando cursos técnicos já que
demonstram vontade de fazer algo? Nós simplesmente os abandonamos, com sua
flanela e balde de água.
E o incentivo ao consumo de bens de forma compulsiva? As
cidades não suportam mais tantos veículos particulares por causa de um Estado
que não assegurou a mobilidade para as necessidades diárias. Dizem ser necessário manter uma oferta de
emprego na indústria automotiva, ainda que seu produto cause a infelicidade dos habitantes, perdidos em homéricos engarrafamentos ou horas sem fim para sua locomoção até seu lugar de trabalho.
Não investimos em ônibus, ou outro tipo de transporte, cujos
usuários se sintam tratados com um mínimo de dignidade pagando uma passagem
compatível com o salário mínimo que eles recebem e em número suficiente para a
locomoção dos trabalhadores que a final não são respeitados no mínimo de seus
direitos ou obrigações. Não investimos no transporte dos bens produzidos neste
país, o que nos faz possuir um escandaloso custo Brasil, que se reflete em
péssimas rodovias, uma malha ferroviária sem expressão ou hidrovias
estranguladas por falta de água em determinados locais, que resultam em inaceitável perdas de bens e vidas nas
lastimáveis estradas brasileiras.
Para se obter a paz social, deve-se pensar na dor que
acompanha a perda de um pai ou esposo em caso de latrocínio. Deve-se levar em
conta o fatal desequilíbrio econômico e afetivo que se abate sobre a família
que perde alguém em tal circunstância. A pessoa que sofre um estupro volta ao
seu estado psíquico anterior só porque seu agressor foi fotografado? Isso
porque ser punido é outra história.
Com base em fatos do dia a dia, quero lembrar que a paz
social não pode ser obtida pela simples ausência de violência pela imposição da
força de uma parte sobre as outras.
O apelo ao pão e circo, ou se quiserem, ao futebol e a TV para distrair o povo, só é eficaz por certo tempo.
As Malalas só queriam estudar, aprender a ler e escrever. Os
primeiros cristãos foram sacrificados na antiguidade. A mulher
árabe, malgrado todos os radicais, já está nas ruas e o cristianismo sobreviveu
ao martírio.
A paz social só é obtida com a distribuição de renda, e verdadeira
inclusão social dos pobres, o que exige muito mais que uma oferta periódica de alguns
reais. Os direitos humanos não podem ser sufocados para que aqueles que gozam
dos maiores benefícios possam manter o seu estilo de vida sem sustos.
Não há paz enquanto os demais sobrevivem como podem, ao lado
de uma corrupção desenfreada que clama aos céus pela impunidade neste país.
Estabelecer valores que orientem a comunidade para a obtenção
da paz social passa a ser agora, também, tarefa inadiável.
(Trecho de um trabalho a ser publicado por João Franco)
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