Rabino Nilton Bonder –
(Trecho de entrevista publicada em “Outra Política”)
Michel
Ciry – Retorno do filho pródigo
- Que
valores sustentam essa consciência nascente?
Valores importantes. Temos tido uma presença maior
do trabalho formal, deixando para trás um país que queria levar vantagem, um
país do jeitinho brasileiro, da informalidade. As pessoas estão pagando
impostos, participando de toda essa estrutura cívica que é o contrato social. O
trabalho hoje é um valor no Brasil, um valor importante, que leva as pessoas a
buscar economizar, a vislumbrar uma estratégia em suas vidas. Diria que o valor
do trabalho é uma espécie de autovalor, a inclusão das pessoas na cidadania.
A formalização do trabalho também tira as pessoas
de certa clandestinidade, e faz com que elas passem a valorizar a honestidade.
Mais brasileiros podem ser honestos, hoje, e os honestos demandam mais
honestidade. Penso que essa é uma das grandes mudanças que têm acontecido: mais
pessoas vivendo o valor da honestidade e fazendo essa demanda por honestidade.
- Pensando no futuro, como o senhor vê as novas gerações convivendo em
um planeta tão pequeno?
Vamos precisar de muita, muita maturidade. Porque o
desequilíbrio que a gente aponta na natureza, no clima, esse desequilíbrio é
estrutural nosso. No centro está a questão do consumo, da riqueza. Não sabemos
lidar com a riqueza, estamos deslumbrados. É também um mundo muito
individualista. Fomos para um caminho que economicamente se mostrou mais viável,
mais eficiente, mas há um paradoxo nessa eficiência.
Estou falando de um capitalismo que não conseguirá,
a médio prazo, produzir qualidade de vida para todo o planeta – se todos formos
ter um carrinho e todos os objetos que são hoje apresentados como sonho de
consumo. Talvez até pudéssemos ter esses objetos, mas veríamos o surgimento de
problemas muito graves, climáticos e de qualidade do ar, da água. Falamos disso
como se fosse virtual, mas pouco a pouco essas coisas vão se mostrar reais.
Vamos ter de conhecer algum tipo de processo mais
coletivo, de interesse coletivo. Nesse paradigma que vivemos hoje, estamos
incluindo os cidadãos como indivíduos – agora mais gente pode comprar, pode
exercer a cidadania. Mas a cidadania do indivíduo é um pouco como aquela
historinha: o sujeito sentado em um barquinho e começa a fazer um buraco
debaixo da sua cadeira. Quando as pessoas começam a reclamar, “você está
fazendo um buraco no barco”, ele diz “não se mete, estou fazendo debaixo do meu
banco”.
É um pouco como funcionamos – estamos construindo o
direito de todos fazermos um buraco debaixo do nosso banco. Só que em algum
momento vamos perceber que isso não é um direito, e então teremos de pensar uma
inclusão de cidadania que vise o bem coletivo. Isso vai ser muito complexo para
todos nós, vai exigir maturidade para fazer acertos que não sejam violentos. É
uma questão civilizatória muito complexa: como é que vamos desmontar o direito
que foi dado ao indivíduo, essa liberdade, sem que ela seja sufocada por um Estado
que venha a intervir em nome de cataclismas ou da economia? Quando um país
começa a falir, a tendência é surgir um estado autoritário, porque alguém tem
que fazer o que tem de ser feito. Então, é muito complicado.
Falando no longo prazo, eu usaria até mesmo uma
imagem bíblica: estamos precisando da multiplicação dos pães. O mundo não vai
poder ter um automóvel para cada um dos seus 7 bilhões de habitantes, nem um
microondas, nem uma televisão. Do ponto de vista da economia, isso talvez seja
um sonho maravilhoso, mas esse sonho é inviável. Em algum momento vamos
conhecer a inviabilização desse projeto. A multiplicação dos pães não é a
multiplicação dos carros e dos microondas, mas o conhecimento de qual riqueza
nós dispomos e a capacidade de usufruir, não do fato de ter eu um carro, mas
sim de ganhar alguma qualidade coletiva. Se todas as benesses que podemos
imaginar conseguir na vida estão no campo individual, vamos continuar querendo
consumir cada vez mais. Se não tivermos prazeres que não sejam obter, ter,
possuir; se não tivermos prazeres que são coletivos, em pouco tempo vamos nos
descobrir muito pobres. A multiplicação dos pães não é no sentido exponencial,
como se pode imaginar. É a criação de outros valores, valores que façam as
pessoas terem como objeto de consumo coisas coletivas. O que é coletivo
modifica qualitativamente a relação de consumo.
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