Torpe
No caso do §
2º inc. I do Art. 121 do CP que qualifica como torpeza a promessa ou paga de
recompensa como motivação do homicídio é evidente a ação desviante do que dá a
ordem assassina. Na realidade ele está, com base no seu poder econômico,
capacidade de comando - qualquer que seja à base de sua autoridade -, ou
simplesmente por ser a encarnação visível da capacidade de resolução com
firmeza dos conflitos naquela área onde o poder regulador do Estado não se faz
presente e ele o substitui.
A torpeza,
embora seja normalmente referida apenas como o comportamento que causa
repugnância ou profunda desaprovação por parte do cidadão comum, traz consigo
uma série de agressões a importantes normas morais que estabelecem condições
para uma vida social sem muitos prejuízos ou conflitos. Com apoio em Durkheim
popularizou-se a ideia de que as infrações mais graves à lei moral são as
consideradas mais danosas na lei penal, como o estupro, roubo, e mais
especificamente o homicídio. Como o homem não nasce destinado a prática de atos
que por seu exacerbado egoísmo são definidos como criminosos, se aceita como
mais lógico que ele seja estimulado ou levado a sua prática. A Teoria da associação diferencial insiste
em que o crime é sempre aprendido. Ele jamais é herdado, criado ou inventado.
Basicamente a teoria tem como fundamento o argumento de que uma pessoa torna-se
criminosa porque recebe mais estímulos favoráveis à violação da lei do que
desfavoráveis a essa violação.
A promessa
ou paga de vantagem traz mais danos que a perda de uma vida. Representa o
rompimento do dique que contém a violação da lei e estimula o desrespeito pelas
normas sociais como um todo. O sacrifício de uma vida no altar do egoísmo
submete definitivamente a sociedade ao interesse particular, estabelecendo na
mente do delinquente a aceitação da possibilidade de que a partir do homicídio
praticado ele está liberado para a realização de qualquer outro delito que se
apresenta como menor.
A cultura
ocidental, desde a época de S. Tomás tem aceitado que não se pode matar um
homem, exceto se for um malfeitor e a ação for ordenada ao bem de toda a
comunidade. “Quem matar um malfeitor sem ter o cargo da administração pública
será julgado como homicida” (Tratado da
Justiça – Summa Teológica – Res Editora – Portugal). Ainda que admita que o
homem perverso seja pior que um animal e é mais nocivo que este, S Tomás lembra
Ezequiel: “Não quero a morte do pecador, mas que este se converta e viva.” (Ez
33, 11).
No inc. I do
§ 2º do art.121 temos a prática de um homicídio determinado por um homem
motivado por sentimentos que por si dão origem a comportamentos antissociais
como a inveja, ciúme desmedido, ambição, ira.
A moeda de
troca pela vida pode consistir em dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial, o
que se traduz em uma longa série de possibilidades que podem partir do perdão
de uma dívida até um aumento patrimonial.
A ânsia
assassina vai ainda mais longe ao trazer para a prática do crime um terceiro
instigado pela cobiça ou miséria particular. Assim combinados ambos ferem
gravemente a sociedade.
Matar alguém
em razão de pagamento para tal ou sob promessa de recompensa deixa às claras a
frieza e insensibilidade perante o ataque ao maior bem jurídico que é a vida
humana. Aquele que executa a vítima não possui razões pessoais que justifiquem
o seu comportamento. Ele mostra uma total insensibilidade moral, revelada no
desprezo pelo sofrimento da vítima e pelas consequências da morte de um ser
humano. O mandante, por seu turno, busca a impunidade e segurança pessoal,
escudando-se no seu poder econômico.
Autores como
Fernando Pedroso e até Nélson Hungria fizeram referências ao fato de matar
“pelo prazer de matar”, como torpeza. Creio que se trata mais da hipótese de
aplicação do art. 26.
É torpe
o motivo que leva o filho a matar o pai ou contratar alguém que o faça para
obter herança, livrar-se das admoestações, dos corretivos normais. Tais ações
são consideradas torpes, isto é, repugnante, abjeta. É torpe o comportamento do
pai que busca lucro prostituindo uma filha menor. “A torpeza traduz um grau
especial de perversidade.” (Nélson Hungria)
Aplica-se a qualificadora ao autor material em
conjunto com o intelectual?
Sim. O CP
diz “mediante paga”. Mediante
significa “ficar no meio” vinculando
o mandante ao executor. Se a lei estivesse voltada apenas ao executor teria
dito “para obter paga ou promessa de
recompensa”, o que não ocorreu. (Moura Teles)
Podemos ter um homicídio qualificado e
privilegiado?
Sim. Nada
impede que mandante e executor tenham agido ao mesmo tempo por motivo de
relevante valor moral. O pai, já velho e sem força pessoal contrata a morte do
estuprador da filha menor. O executor aceita a tarefa, pois está desempregado e
sua mulher e seus filhos estão passando fome.
(Os imperdoáveis, filme de Clint Eastwood)
HIPÓTESE:
“A”, desesperado com o sofrimento do pai, em
estado terminal e sem possibilidade de cura, com o objetivo de abreviar-lhe ou
por fim ao seu sofrimento em gravíssima doença, contrata alguém mediante paga
para que pusesse fim ao sofrimento, eliminando-lhe a vida. A ação é
privilegiada ou qualificada?
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