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domingo, 27 de maio de 2012

Espaço do acadêmico - Larissa Sampaio



Sequestro



Antes de se aprofundar no assunto, é preciso que se estabeleça a diferença entre o sequestro e o cárcere privado e que tenhamos uma pequena noção da historia desses delitos.

Começando pelas diferenças, podemos ressaltar que a restrição que é feita pelo cárcere privado é mais estrita, diferente do sequestro que é ampla. No cárcere a pessoa tem que ter seu direito a locomoção negado no mesmo lugar onde ela se encontra, por meio de clausura e tem que ser encarcerada em local fechado. O sequestro dá a ‘liberdade’ de que a pessoa seja mantida em lugar diverso de onde ela se encontrava, podendo ser um local aberto.

O crime de sequestro não é uma coisa nova. Já no direito romano tivemos referência a essa prática delitiva. Em Roma a prisão arbitrária era considerada crime, e era punida por meio da Lex Julia. A Constituição de Zenon considerava o cárcere privado como crime autônomo, considerava que era uma espécie de usurpação do poder do soberano, que era o único que poderia determinar o encarceramento de alguém. Para se ter uma ideia da seriedade com que se era tratado, a pena para o crime era a pena capital. Justiano, adepto a lei de Talião, em tese diminuiu a pena, determinando que o autor ficasse encarcerado pelo mesmo tempo que encarcerou sua vítima.

‘Tot dies manere inpublico carcere, quot quis in privato ab esi inclusus

Na Idade Média o crime continuou sendo um crime de lesa-masestade, mas se o agente praticasse o cárcere por motivo considerado ‘justo’ e por menos de 20 horas, não seria punido, era extinta a punibilidade.

‘Qui capit aliquem et detinet ex injusta causa, punitur poena privatis carceris, etiam illum detinet minori spatio viginti horarum’

O Código Penal francês, de 1810, também tratou da matéria no título Arrestations illégales et séquestration de personnes, como também fez o Código Penal alemão, de 1871, que atentou para o crime de cárcere privado introduzindo o Freiheitsberaubung e o Código Penal do Paraguai. O antigo direito italiano, já previa o sequestro desde 1859, no código sardo e no código toscano de 1853. O código toscano foi utilizado como referência para o Código Penal Brasileiro de 1940.

No Código Criminal do Império de 1830, só era previsto a criminalização do cárcere, que poderia ter inclusive, como local do crime, as prisões públicas. O Código Penal de 1980, inspirado no Código Português de 1852, ampliou a tipificação e incluiu o sequestro, que foi mantido no Código Penal de 1940 que continua em vigor.

O Código Penal em vigor, trata desses delitos, em um único artigo, o 148:

Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:

Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 1º A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos:

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta anos);
II – se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital:
III – se a privação de liberdade dura mais de 15 (quinze) dias;
IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;
V – se o crime é praticado com fins libidinosos;

§ 2º Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou de natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral;

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

Analisando o tipo penal, percebemos que com ele o direito brasileiro quer proteger a liberdade de locomoção das pessoas, o direito que cada um tem de ir e vir. Para ser caracterizado assim, a privação de liberdade tem que ser permanente, ou seja, que se prolongue por um certo período de tempo.

Objetivamente, podemos dizer que é um crime que tem como sujeito ativo e passivo ‘qualquer’ pessoa, que é um crime que não admite a modalidade culposa, pois o dolo representa o elemento subjetivo do crime, que é um crime de natureza material e que tem como modalidade a simples e a qualificada. A modalidade simples se encontra no caput do artigo e a qualificada no parágrafo primeiro e segundo, nas recentes modificações feitas pelas leis 11.106/05, 10.741/03. É importante ressaltar, em relação ao inciso V, que diz respeito a prática de sequestro para fins libidinosos( independente de sua condição sexual). Esse inciso é decorrência da lei 11.106/05 que revogou todos os crimes de rapto previstos anteriormente no Código Penal de 1940. É importante lembrar que se houver consentimento da vítima para o sequestro, e esta for menor de 14 anos de idade, o consentimento será irrelevante. Esse pensamento já está pacificado na  jurisprudência e na doutrina.

Depois dessa análise objetiva dos elementos do crime, é também preciso comentar que o sequestro é praticado na maioria das vezes para se cometer outro crime, que pode ou não ser absolvido pelo delito-fim. O mais comum desses crimes, praticados no Brasil atualmente, é o de extorsão mediante sequestro, que está previsto no art. 159. O primeiro crime de extorsão mediante sequestro ocorreu em São Paulo, na década de 1950, em face do empresário Eduardo José Maria Matarazzo, herdeiro de um enorme império econômico.

Por fim, é necessária a análise das consequências desse crime, mais precisamente, das consequências que esse crime tem para as vítimas. Já ficou provado cientificamente que o sequestro é capaz de causas em suas vítimas traumas, ou mais precisamente danos psíquicos. Dentre esses danos é importante destacar a Síndrome de Estocolmo e o Transtorno de Stress Pós-Traumático.

O motivo da utilização do termo ‘Síndrome de Estolcomo’ é em decorrência de um caso, acontecido em 1973, na cidade de Estocolmo, onde ocorreu um assalto a um banco, e que os seqüestradores mantiveram enclausurados os empregados durante vários dias. Quando finalmente ocorreu a libertação das vítimas, um jornalista fotografou o instante em que uma das reféns e um dos seqüestradores se beijavam. Essas condutas estranhas de afeto e cumplicidade entre vítimas e seqüestradores ficou conhecido como a Síndrome de Estocolmo.  A primeira vez que esse termo foi utilizado foi pelo criminólogo e psiquiatra Nils Bejerot.

Em entrevista publicada no JE em 15 de outubro de 2007, a jornalista e psicóloga Marisa Fortes afirma:

Essa síndrome pode ocorrer em qualquer situação de opressão em que havia um algoz e uma pessoa subjugada a ele, dependendo dele para manter-se viva. […] Note que envolve situações de extrema violência e que envolve a certeza por parte da vítima de que pode ser morta ou seriamente ferida por seu agressor.  Porém o que temos percebido é que, após algum tempo distante da influência do opressor e afastada a crença de que este poderá fazer-lhe mal, há uma tendência de que a vítima experimente remissão dos sintomas que são os seguintes: sentimentos de amor e ódio pelo agressor; gratidão exagerada por qualquer bondade mostrada pelo agressor; negação ou racionalização da violência do agressor; visão de mundo a partir da ótica do agressor,percepção de pessoas que querem ajudá-la como más e dos agressores como bons; medo de que o agressor volte para pegá-la, ainda que preso ou morto.

Em relação ao Transtorno de Stress Pós-Traumático, os sintomas presentes nas vítimas consistem basicamente em uma recordação persistente do evento traumático, ausência de responsividade e excitação mental. Ao contrário da Síndrome de Estocolmo, esse transtorno é, em tese, decorrência de uma conduta violenta praticada por um dos agentes.

Apesar de todos os danos sofridos pela vítima, a legislação penal não prevê aumento de pena, em se tratando de dano ou transtorno psíquico e a doutrina não é clara ao enquadrar o que seria um grave sofrimento moral. Ao meu ver, o legislador deveria ter aumentado a pena, as utilizando-se da expressão: grave sofrimento moral e ou mental.

Por tudo que foi dito, nas condições atuais da legislação penal brasileira, atualmente o mínimo a ser feito seria considerar com mais cuidado, na fixação da pena in abstrato, os sofrimentos e transtornos infligidos às vítimas nos casos de sequestro, em todas as suas modalidades, em consonância com o disposto nos artigos 59 e 68 do atual Código Penal.




Bibliografia

Ballone, G. J. Perícia psiquiátrica forense. PsiqWeb. Disponível em: .
 Dano psíquico. PsiqWeb. Disponível em: .
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2. São Paulo: Saraiva, 2012.
Capez, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2005
Síndrome de Estocolmo por Emilio Meluk. Disponível em: .

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