A
ausência de motivo e o motivo fútil no crime de homicídio
A equiparação da
ausência de motivo ao motivo fútil é questão controversa na seara criminal. Ausência
de motivos não é o mesmo que Insuficiência de Motivos. A últimatorna o
homicídio qualificado por motivo fútil (art. 121, § 2º, II do CP); a primeira em nada muda o crime, que permanece como homicídio simples
(caput do art. 121 do CP).
A insuficiência de
motivos, ou futilidade, é quando o motivo é desproporcional em relação à reação
ou conduta do autor do crime.
Se o marido matar a
esposa apenas porque ela teria feito um jantar considerado ruim, haverá a
incidência da qualificadora do homicídio por futilidade, pois a conduta do homem
se mostrou totalmente desproporcional ao que a motivou.
Outros exemplos de
futilidade são: matar dono de um bar que não lhe serviu bebida; em razão de
comentário jocoso feito por torcedor de time contrário; em virtude de um
simples incidente de trabalho, etc.
Já a ausência de
motivos não significa, literalmente, que não houve um motivo para o crime, mas
somente que não foi possível identificar o que motivou agente do ilícito penal.
Por força do princípio da legalidade e a vedação à analogia in pejus, não se
pode sustentar que a ausência de motivo seja equiparada à futilidade do motivo.
“Homicídio. Qualificadora. Motivo fútil. Ausência de
motivo - Não se pode equiparar para efeitos penais o motivo fútil à ausência de
motivos. Toda conduta humana tem suas motivações, ainda que muitas delas não se
exteriorizem. Se para reconhecer o motivo fútil é necessária prova da
desproporção entre a motivação e o ato praticado, na ausência de motivo
reconhece-se a absoluta ausência de provas ou mesmo de indícios de quais
motivos levaram o réu à prática do crime. Não há falar, pois, propriamente de
um crime sem motivação, mas de um crime sem provas de motivação o que,
evidentemente, não se pode equiparar por analogia ao motivo fútil.” (TJMG, RSE 1.0024.98.094484-7/001, 3ª
Câmara Criminal, Rel. Des. Erony da Silva, j. 1º-3-2005)
Porém, para muitos juristas
a ausência de motivo denotaria um grande desprezo à vida humana por parte do
autor, o que ensejaria maior reprovabilidade perante a sociedade, devendo ser
equiparada ao motivo fútil (ou ao torpe, como leciona Damásio de Jesus). Seria
aqui o “matar por matar”, um homicídio, uma conduta humana, sem motivo, algo
inconcebível.
Segundo
César Roberto Bitencourt, errou o legislador ao não incluir a ausência de
motivo como qualificadora, uma vez que um homicídio cometido com algum motivo,
por mais banal (fútil) que seja, o torna qualificado, enquanto a total ausência
de motivo, o que denota ter o agente mais desprezo para com a vida humana,
deixaria o crime como simples. Ele sugere a criação de uma nova qualificadora
para o homicídio, a da ausência de motivo.
Já
Damásio Evangelista de Jesus, de outra forma, considera que a ausência de motivo,
mesmo que não possa ser equiparada à futilidade, pode ser tida como torpeza,
motivo “moralmente reprovável, demonstrativo de depravação espiritual do
sujeito”.
Reitero o que disse o Des.
Erony da Silva: uma conduta humana é sempre motivada, mas nem sempre essa
motivação é exteriorizada, o que deixaria o juiz de mãos atadas quanto a isso, pois
não poderia aplicar uma pena a alguém por algo que não fora comprovado, qual seja
a motivação do crime.
“Sempre haverá um motivo para o cometimento do
delito, embora não se consiga, em todos os casos, descobrir a razão que levou o
agente a praticá-lo. Não se pode confundir motivo fútil com falta – ou
desconhecimento – do motivo, sob pena de configurado ilegal” (STJ - HC 91747-SP, 6.ª T., rel. Og
Fernandes, 12.05.2009)
Diante disso, os promotores
e juízes utilizam-se do princípio in dubio pro societate, onde, havendo
dúvida quanto à culpabilidade do réu, a sociedade é que deve julgá-lo, no
Tribunal do Júri.
Por esse princípio, a
pronúncia (que é o ato pelo qual o juiz remete os autos ao Tribunal do Júri,
acolhendo a acusação feita pelo membro do Ministério Público, e deixando que os
jurados decidam sobre a condenação do acusado com base no que consta neles) deve
ser feita mesmo restando alguma dúvida quanto à culpabilidade do acusado no
fato.
“Ora,
não se apurando, de modo preciso, os motivos do procedimento do réu, mostra-se
legítimo, pelo menos nesta fase, em que a dúvida deve ser resolvida em favor da
sociedade, o acolhimento na pronúncia da qualificadora do motivo fútil.”
“Para
fins legais, a ausência de motivo, para fins de qualificação do delito de
homicídio tentado, se equipara plenamente com o motivo fútil, pois, além de ser
tal situação moralmente mais condenável, é inaceitável que alguém que matasse
uma pessoa sem qualquer motivo pudesse receber uma pena menor do que aquela
pessoa que matou por um motivo fútil.”
(TJ-MG 103010100360790011 MG
1.0301.01.003607-9/001(1), Relator: BEATRIZ PINHEIRO CAIRES, Data de
Julgamento: 14/09/2006, Data de Publicação: 04/10/2006))
O
que se critica em relação a esse principio é a afronta a outro princípio, com
assento constitucional, o do in dubio pro reo (havendo dúvida, a decisão
deve ser favorável ao réu, para que não se cometam injustiças).
A
questão acerca da equiparação da ausência de motivo à futilidade ainda parece
estar longe de ser pacificada, mas me parece mais justo a corrente que prega a
não equiparação, evitando que o desconhecimento do motivo enseje punição
desproporcional ao autor do crime.
Por
fim, vejamos o que diz Guilherme de Souza Nucci sobre o tema:
“Ressalte-sequeconsideraraausênciademotivocomo futilidade pode trazer
sérios inconvenientes. Imagine-se o agente que tenha matado o
estuprador de sua filha – circunstância que a doutrina considera relevante valor moral – , embora tenha fugido sem deixar rastro. Testemunhas presenciais do fato o reconhecem nas fases policial e judicial por fotografia ou porque já o conheciam de vista, mas não sabem indicar a razão do delito.
Caso tenha sido denunciado por homicídio cometido por motivo fútil (pela ausência de motivo), estar-se-ia cometendo
uma flagrante injustiça. Corretíssima, nesse sentido, a lição de NÉLSON
HUNGRIA: ‘Não há crime gratuito ou sem motivo e é no motivo que reside a
significação mesma do crime. O motivo é o ‘adjetivo’ do elemento moral do crime.
É em razão do ‘porquê’ do crime, principalmente, que se
pode rastrear a personalidade do criminoso e identificar a sua maior ou menor
antissociabilidade’(Comentários ao Código Penal,v.5,p.122-123)”
Bibliografia:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2 : parte
especial : dos crimes contra a pessoa. — 12. ed. rev. e ampl. — São Paulo :
Saraiva, 2012.
CAPEZ, Fernando. Código penal comentado. – 4. ed. – São
Paulo : Saraiva, 2013.
CAPEZ, Fernando.Curso de direito penal, volume 2, parte
especial : dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento
religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). – 14. ed. – São
Paulo : Saraiva, 2014.
CASTRO, Aline Andrade de.A inclusão de uma nova qualificadora no CPB: a
"ausência de motivo".Disponível
em: http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1723&idAreaSel=4&seeArt=yes.
Acesso em: 19/09/2014.
JESUS, Damásio de. Código Penal anotado. – 22. ed. – São
Paulo: Saraiva, 2014.
MASSON, Cleber. Código Penal comentado. 2. ed. rev.,
atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.
NOVAIS, César Danilo Ribeiro
de.Homicídio: ausência de motivo é, sim,
motivo fútil. Disponível em:https://www.mpmt.mp.br//storage/webdisco/2010/03/01/outros/359b750e162c6de1bdd4d2a26ae015d8.pdf.
Acesso em: 19/09/2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado : estudo integrado
com processo e execução penal : apresentação esquemática da matéria:
jurisprudência atualizada. – 14. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro
: Forense, 2014.
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