A
questão do partícipe no aborto
O
aborto é um tema que vem trazendo, cada vez mais, discussões dentro do Direito
nacional. No Código Penal Brasileiro temos no art. 124, de maneira expressa, a definição
do crime para a mulher (sujeito ativo) que pratica ou consente o aborto em si.
No
art. 125 e 126, do citado Código, temos a explanação e ampliação do sujeito
ativo. Nestes artigos supracitados, temos um terceiro envolvido. Sabemos que o
sujeito ativo, aquele que pratica uma conduta reprovável, com sanção
determinada nos referidos artigos – podendo ser a mulher ou um terceiro - é o
autor do crime: aquele que teve o domínio do fato. Contudo, seria reprovável
uma conduta participativa? Qual deve ser a conduta do partícipe para ser
penalmente condenável? Esses serão os temas abordados neste artigo.Temos o
seguinte exemplo “F está grávida e tem um relacionamento amoroso com C. Ao
relatar a C da sua gravidez, ele, por sua vez, afirma não querer o filho. F
comenta não ter condições financeiras para arcar com um aborto, então C lhe dá
uma quantia em dinheiro. Em seguida, F se dirige a uma clínica e aborta o
bebê”. A conduta de C é penalmente reprovável?
Primeiramente,
temos em vista que o Código Penal Brasileiro não define o que é “partícipe”,
todavia, a doutrina se encarregou de fazer uma distinção entre autoria e participação.
De acordo com Cezar Roberto Bitencourt, temos que, “o partícipe não prática a
conduta descrita pelo preceito primário da norma penal, mas realiza uma atividade
secundária que contribui, estimula ou favorece a execução da conduta proibida” (2013,
p.561).
Para
a conduta do partícipe ser considerada reprovável e tenha relevância jurídica,
é necessário que o autor – ou coautores – ao menos iniciem a conduta penalmente
censurável. Deve existir um meio eficaz entre a conduta e o ato final, pois a maneira
pelo qual o partícipe contribuiu, estimulou ou favoreceu tem que ter relação
com a infração cometida pelo autor, como vemos no art. 31 do CP.
Na
participação temos duas modalidades consideradas pela doutrina: cumplicidade e
instigação. No caso previamente comentado, temos um caso de cumplicidade.
Cumplicidade,
de acordo com López Peregrin¹, é o que favorece a prática do crime e “pode ser
considerada como uma conduta que ex ante cria um risco não permitido de favorecimento
à execução do delito, e cuja relevância causal se constata ex post”.¹
A
cumplicidade facilita a execução do autor na prática do delito, visto que, já
era previsível. Como foi visto, C com o conhecimento da vontade de F abortar a
criança, lhe auxilia materialmente, lhe entregando o dinheiro que foi utilizado
para a consumação do ato. Para a punibilidade da participação,
predominantemente no Brasil, é aceita a teoria do favorecimento ou da causação.
Esta teoria se fundamenta que para punição do partícipe, a sua ação ou omissão
tenha contribuído para o autor praticar o crime, ou seja, sua conduta deve ter
relação direta com o fato principal.
Todo
os partícipes respondem pelas penas cominadas do delito praticado, como o autor
e os coautores. No aborto, temos a exceção a teoria monística e aplicamos a
teoria dualística para aplicação das penas, tendo visto que o art. 124 se
refere exclusivamente a mulher gestante e os artigos 125 e 126 a um terceiro.
Para
a teoria dualística há dois crimes: um para os autores que praticam a atividade
principal e outro para os partícipes, que desenvolvem uma atividade secundária.
Temos no art. 29 do CP, a valoração referente a culpabilidade dos agentes, in
verbis “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
O
que deve ser visto em relação a C é a sua culpabilidade. De acordo com Luís Regis
Prado “se o partícipe induz, instiga ou auxilia a própria gestante a realizar o
aborto em si mesma ou a consentir que o outrem o faça, responde pela
participação no delito do artigo 124” (2014, p.672). Concluímos, portanto, que
C incorrerá no art. 124 como partícipe, pois auxiliou – com a entrega do
dinheiro necessário – a gestante para a prática do aborto por terceiros. Tendo
em vista a teoria dualística e a culpabilidade de C, as penas referentes a F e
C devem ser valoradas de forma diferente pelo juiz.
[1]
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, cit. p. 563.
BIBLIOGRAFIA:
BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 19. ed. São
Paulo:
Saraiva, 2013.
PRADO,
Luís Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de.
Curso
de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2014.
ANDRADE,
Thiago Marciano de. Do concurso de pessoas nos crimes dolosos contra
a
vida. 2011. Disponível em:
crimes-dolosos-contra-a-vida/5>.
Acesso em: 03 set. 2014
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