RELATÓRIO
Na comarca
de Urussanga (2ª Vara), o representante do Ministério
Público
ofertou denúncia e posterior aditamento contra Nilson Bueno de Moraes,dando-o
como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, II e III, do Código Penal, em razão
dos fatos assim narrados:
Na tarde do
dia 4 de maio de 2010, por volta das 14h30min, nas dependências
da
residência situada na Rua Guimarães Rosa, 731, Bairro Jardim Itália, Cocal do
Sul-SC,
nesta comarca, com a intenção de matar a vítima Rosilene Batista Mattos, o
denunciado
lançou álcool contra o seu corpo e, em seguida, ateou fogo,
causando-lhe
as lesões descritas na laudo pericial de fl. 75, que foram a causa
suficiente
de sua morte, ocorrida no dia 29.5.2010, no Município de Criciúma, onde
se
encontrava internada desde o dia do fato.
Consta,
ainda:
a) que o
denunciado assim agiu impelido por motivo fútil, decorrente da
negativa da
vítima em reatar relacionamento conjugal que manteve com o
denunciado
até poucos dias antes do crime;
b) que o
crime de homicídio foi cometido mediante o emprego de fogo,
causando
intenso sofrimento à vítima.
Encerrada a
instrução, a denúncia foi admitida para pronunciar o réu
pelo crime
que lhe foi atribuído pela acusação (fls. 257/267).
Interposto
recurso em sentido estrito, a Terceira Câmara Criminal, por
votação
unânime, afastou as preliminares e negou provimento ao reclamo (fls.
328/340).
Posteriormente,
submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri,
Nilson
Bueno de Moraes foi condenado à pena de 17 (dezessete) anos e 8 (oito) meses de
reclusão, em regime fechado, por infração ao disposto no art. 121, § 2º, II e III,
do Código Penal.
Inconformado,
interpôs recurso de apelação (fls. 500). Nas razões (fls.
534/537),
arguiu a injustiça na aplicação da reprimenda e, assim, postulou a redução da
pena-base, bem como a maior diminuição em razão da atenuante da confissão espontânea
já reconhecida. Ao final, o defensor dativo ainda pleiteou a fixação de seus
honorários advocatícios.
Ofertadas
as contrarrazões (fls. 538/546), ascenderam os autos a esta
Superior
Instância, opinando a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo.
Dr. Anselmo Agostinho da Silva, pelo parcial provimento do apelo (fls. 553/554).
VOTO
Trata-se de
recurso de apelação interposto por Nilson Bueno de Moraes
com relação
às penas que lhe foram impostas pela prática do crime de homicídio qualificado
pelo motivo fútil e pelo emprego de fogo.
Na primeira
fase da dosimetria, a magistrada fixou a pena-base em 18
(dezoito)
anos de reclusão por considerar desabonadoras três circunstâncias judiciais.
Extrai-se
da fundamentação, verbis:
Analisando
as circunstâncias judiciais elencadas no art. 59 do CP, verifico que
a
culpabilidade do réu merece reprovação na medida em que demonstrou com sua
conduta
desprezo pela vida/integridade física do semelhante. O réu não registra
maus
antecedentes criminais. Conduta social notoriamente desvirtuada, haja vista a
insistência
do réu em perturbar a vítima, quando viva, o que pode ser evidenciado
pelas
informações contidas nos autos dando conta de que o acusado ameaçava/ perturbava
sua companheira.
Não constam
elementos que permitam conclusão definitiva, positiva ou negativa, a respeito
da personalidade do acusado.
Nas
circunstâncias do crime deve ser considerada uma das qualificadoras (vez que
se trata de
homicídio duplamente qualificado, servindo uma para qualificar o crime a
outra para
majorar a pena-base). Os motivos já serviram para qualificar o delito. As
consequências
são próprias à natureza da infração. Não restou demonstrada
influência
da vítima na ação recriminada (fl. 492).
Contudo, a
culpabilidade do agente não foi fundamentada de forma
adequada,
uma vez que o desprezo pela vida alheia é inerente ao delito de homicídio, consoante bem destacou o Exmo. Procurador de
Justiça, e, portanto, não pode ser usado como motivo válido para majorar a
reprimenda.
Por outro
lado, a análise negativa da conduta social se revela bem justificada,
à medida que o apelante reiteradamente ameaçou e perturbou sua ex-companheira
enquanto ainda era viva, tal como relatou a filha dela no curso do feito,
circunstância esta que, efetivamente, enseja resposta estatal mais enérgica ao comportamento
ilícito verificado nos presentes autos.
Da mesma
forma, no que tange às circunstâncias do crime, o fato de o réu ter
ateado fogo na sua ex-companheira certamente justifica a majoração da reprimenda,
até porque a pluralidade de qualificadoras permite que uma delas seja utilizada
para qualificar o delito e a remanescente para elevar a pena-base, quando não
considerada como agravante na segunda fase.
A
propósito:
HABEAS
CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. PENA-BASE.
FIXAÇÃO
ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. DUAS QUALIFICADORAS. UTILIZAÇÃO DE
UMA PARA
QUALIFICAR O DELITO E DA OUTRA COMO CIRCUNSTÂNCIA
JUDICIAL
NEGATIVA. POSSIBILIDADE. [...]
2.
Consoante orientação sedimentada nessa Corte Superior, havendo duas
qualificadoras,
é possível a utilização de uma delas para qualificar o delito e da outra
como
circunstância negativa - agravante, quando prevista legalmente, ou como
circunstância
judicial, residualmente (HC 167419/RJ, rel. Min. Jorge Mussi, j.
2/8/2012)
Gabinete Des. Torres Marques
Nessa
perspectiva, afastada apenas a culpabilidade do agente, frente à
repercussão
das demais circunstâncias judiciais verificadas, sobretudo o método utilizado na realização do crime, a pena-base
deve ser fixada em 17 (dezessete) anos de reclusão.
Quanto à
maior diminuição da reprimenda em razão da atenuante da
confissão
espontânea, melhor sorte não assiste ao recorrente, porquanto já foi
agraciado
em excesso.
O acusado
reiteradamente alegou que não tinha intenção de matar sua
ex-companheira
e que pretendia apenas colocar fogo na residência. Afirmou,
portanto,
que o álcool que trazia consigo respingou acidentalmente sobre ela no momento
dos fatos, ocasião em que, por um infortúnio, o fósforo que acendeu para incendiar
o local igualmente atingiu a vítima, muito embora esta não fosse sua intenção
(fls. 163 e 485).
Com isso, à
medida que o apelante assumiu os fatos, mas agregou escusas com
a finalidade de afastar a prática do crime doloso contra a vida, sequer deveria
ter sido reconhecida a referida atenuante, porquanto a confissão qualificada não
conduz à redução da reprimenda.
Nesse
sentido:
Esta Corte
Superior adota o posicionamento de que a denominada confissão
qualificada,
na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou
exculpantes,
não pode ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, III,
alínea
"d", do Código Penal. (HC 176340/RJ, rel. Marilza Maynard, j. 04/10/2012)
Logo, a
diminuição de 4 (quatro) meses aplicada pela sentenciante não
pode, por
certo, ser aqui ampliada e, embora fosse o caso de afastamento, a
proibição
da reformatio in pejus inviabiliza qualquer modificação.
Assim, a
pena imposta a Nilson Bueno de Moraes resulta definitiva em
16
(dezesseis) anos e 8 (oito) meses de reclusão em regime fechado. Ficam mantidos
os demais comandos da sentença.
Por fim,
postulou o apelante a fixação dos honorários devidos ao
advogado
Thiago Turazzi Luciano (OAB/SC 19.508), nomeado à fl. 514 para
apresentar
as razões recursais.
Com o
decurso do prazo estipulado pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento
das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 3892 e 4270 para extinção da
Defensoria Dativa no Estado e implementação da Defensoria Pública, não é possível
a remuneração pelo sistema de URH, previsto na Lei Complementar Estadual n.
155/97
Por essa
razão, e considerando o disposto no art. 3º do Código de
Processo
Penal, aplica-se por analogia o disposto no art. 20, §4º, do Código de
Processo
Civil e fixa-se a verba honorária em R$ 477,00 (quatrocentos e setenta e sete
reais).
Ante o
exposto, dá-se parcial provimento ao recurso para adequar a
pena-base e
fixar os honorários do defensor dativo.
Gabinete Des. Torres Marques