Metrópoles insustentáveis
O Censo de 2010 do IBGE demonstra que
84% da população brasileira vive em áreas urbanizadas.
Por Thales Schimidt e
Vinicius Martins
A disputa pela cidade
“O que está comandando as cidades não
é interesse público, não é interesse coletivo, não é justiça social, não é sustentabilidade.
Tudo isso é discurso, todas as grandes cidades brasileiras têm ótimos planos
diretores, a nossa legislação é muito avançada, conhecimento técnico nós temos,
mas nós estamos perdendo na correlação de forças, estamos levando uma surra na
disputa com aqueles que têm lucro com as cidades, com o crescimento das
cidades”, analisa Ermínia Maricato, professora titular do curso de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São Paulo, e autora da proposta de criação do
ministério das Cidades do Brasil.
O Censo de 2010 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstra que 84% da população
brasileira vivem em áreas urbanizadas. Estima-se que existam no país cerca de
6329 aglomerados subnormais – ou favelas -, de acordo com o último Censo do
IBGE. O número engloba um total de 3.224.529 domicílios e 11.425.644 pessoas.
Segundo Juliano Costa Gonçalves,
professor da Universidade Federal de São Carlos e autor do livro Especulação
imobiliária na formação de loteamentos urbanos: um estudo de caso, a prática
acarreta em conflitos na organização espacial das cidades. “O processo de
urbanização costuma ser bastante caro, como levar saneamento e energia a novos
bairros, por exemplo. Quando essas áreas ficam presas no processo de
especulação, aumenta-se a área urbana. Então, você obriga que algumas pessoas
morem nas regiões mais periféricas da cidade, que muitas vezes não têm bons
processos de urbanização nesses lotes”, ressalta Gonçalves.
O casamento entre poder público e
empreiteiras é de longa data. O historiador Pedro Campos, professor
da Universidade Federal Rural de Rio de Janeiro, analisou a formação das
principais empreiteiras brasileiras durante a ditadura civil-militar brasileira
(1964-1985) em sua tese de doutorado. “Os empreiteiros já eram importantes no
país antes da ditadura, eles crescerem muito na década de 50, em especial nas
obras de Juscelino Kubitischeck (1956-1961). Naquele período eles começam a se
organizar em nível nacional, criaram organizações de empreiteiros e a partir
dessas organizações passam a ter um papel político e uma atuação junto ao
aparelho de Estado muito decisiva”.
Durante o regime ditatorial, a
situação melhorou ainda mais para as empreiteiras nacionais. Por meio do
decreto 64.345, o militar e então presidente Artur da Costa e Silva (1964-1966)
determinou que obras de infraestrutura no Brasil só poderiam ser feitas por
empresas nacionais. A medida ajudou o estabelecimento das empreiteiras
brasileiras em áreas com forte concorrência internacional, como a construção de
hidrelétricas, engenharia industrial, de petróleo e outras obras urbanas. A
decisão fez com que as empreiteiras nacionais fossem as únicas beneficiadas
pelos grandiosos projetos desenvolvimentistas dos militares. A restrição a
empresas estrangeiras só foi revertida em 1991 pelo presidente Fernando Collor
(1990-1992).
“Existia um cenário ideal para o
desenvolvimento dessas empresas, tanto é que elas se desenvolveram de maneira
bastante expressiva ao longo do regime. E no final da ditadura o que a gente
tinha eram grandes conglomerados econômicos, aquelas empreiteiras que já eram
grandes e importantes na ditadura no final eram multinacionais que atuavam em
vários lugares do mundo”, aponta Pedro Campos.
As grandes empreiteiras nacionais são
superlativas em todos os seus números. A maior delas, a construtora baiana
Norberto Odebrecht, teve em 2013 uma receita bruta de R$ 10,149 bilhões e conta
com mais de 125 mil funcionários. Segundo ranking das maiores empresas do setor
realizado pela revista O Empreiteiro, 40% da receita no período se deve a
contratos com o setor público.
Levantamento do Estadão Dados apontou
que a mesma Odebrecht foi responsável por doar R$ 47,7 milhões para a campanha
eleitoral de 2014. Outra gigante do setor, a Andrade Gutierrez doou R$ 93,6
para o mesmo pleito. Ainda assim, nenhuma doadora supera o grupo pecuarista
JBS, com R$ 357,3 milhões aplicados. Na legislação atual, as empresas podem
doar até 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição.
“O grande problema urbano no Brasil hoje é o
financiamento de campanha. Está tudo absolutamente comprometido com o
financiamento de campanha. Nas nossas grandes cidades, e pequenas e médias
também, grande parte da orientação do crescimento urbano é dada por interesses
de proprietários de uma elite local, das grandes empreiteiras, do capital
imobiliário e dos parlamentares e prefeitos de plantão. É assim que se dá a
decisão, por exemplo, de ao invés de construir metrô, você construir viaduto,
ponte, túnel, para transporte rodoviário e não transporte sobre trilho”, indica
Erminia Maricato.
Regulação urbana
Ainda que o Brasil tenha mecanismos
de regulação do tecido urbano que são referências mundiais – como edificação
compulsória, o IPTU progressivo, a Desapropriação para Fins de Reforma Urbana,
o Direito de Preempção, a Outorga Onerosa e outras ferramentas – os interesses
das empreiteiras costumam prevalecer na decisão da política urbana das cidades
brasileiras.
O Brasil, apesar de avançado na legislação,
ainda está engatinhando na aplicação desses instrumentos. Como referência,
citaria as cidades de Bogotá e Medellin, na Colômbia, que têm obtido bons
resultados nas políticas urbanas”, aponta Gislene Pereira.
As cidades de Bogotá e Medellin têm
priorizado os cidadãos para guiar o desenvolvimento urbano. Em pouco mais de
oito anos, os municípios investiram em mobilidade urbana planejada e
sustentável, segurança cidadã com a remodelação das polícias e um novo
ordenamento do espaço público. As melhorias colocam como foco as populações de
baixa renda, dispondo para esses estratos sociais equipamentos públicos como
escolas, bibliotecas, hospitais, praças e espaços de convivência, além de
corredores para ônibus e ciclovias. Todas as obras fazem parte de uma política
integrada de desenvolvimento urbano. Os resultados diminuíram os índices de
violência urbana e colocaram as duas cidades entre as melhores indicadores de
qualidade de vida da Colômbia.
Outras Palavras, 31-08-2015.
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