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sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Decisão em crime de furto


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Des. Paulo Moacir Aguiar Vieira – Presidente e Relator.


RELATÓRIO
Des. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA (Presidente e Relator): 

João Romeu Pereira Moraes foi denunciado na 4ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, como incurso nas sanções dos arts. 155, § 4º, incs. I e IV, do CP; art. 16 da Lei nº 6.368/76, na forma do art. 69, caput, do CP, por ter, no dia 16.05.97, por volta de 1h30min, na Rua Astrogildo de Azevedo, frente ao nº 362, nesta cidade, em acordo de vontades e conjugando esforços com terceiro não identificado, mediante quebra do vidro do carona e do painel do veículo Parati, placas IBZ-4437, subtraído, para si e seu comparsa, um toca-fitas e rádio marca Bosch, o isqueiro do carro e um acessório de telefone, tudo de propriedade de Renan Vicente Brum Chami.

Enquanto o terceiro cuidava a aproximação de pessoas, o denunciado quebrou o vidro do veículo e do interior dele subtraiu os objetos referidos.

No mesmo contexto fático acima narrado, o denunciado trazia consigo, sem autorização, para fins de uso próprio, cerca de 1,0g de Cannabis Sativa Lineu, vulgo maconha, cujos princípios ativos causam dependência psíquica.

Citado, o réu deixou de comparecer ao interrogatório, tornando-se revel. Foi nomeado defensor dativo que apresentou defesa. Colhida a prova oral e decorrido o prazo do art. 499 do CPP, as partes apresentaram alegações finais; o Ministério Público pediu pela procedência da ação nos termos da denúncia e a defesa postulou, preliminarmente, a sua oitiva para que fosse interrogado, o que foi deferido na fl. 104 e verso; no mérito, pede pela sua absolvição.

Sentenciando, a Drª Juíza de Direito julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar o acusado por infração ao art. 155, § 4º, incisos I e IV, às penas de 2 anos e 1 mês de reclusão, em regime aberto e 12 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato e às penas de 6 meses de detenção, em regime aberto e 20 dias-multa, atribuindo a cada dia o valor de CR$ 25,00 (vinte e cinco cruzeiros), corrigidos monetariamente a partir de 21.10.76, por infração ao art. 16 da Lei nº 6.368/76.

Inconformado, apelou o réu objetivando a sua absolvição do delito capitulado no art. 16 da Lei 6.368/76 e/ou a desclassificação prevista no art. 155, § 2º, do CP.

O Ministério Público, em ambos os graus, manifestou-se pela improcedência do apelo.

É o relatório.

VOTO
Des. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA (Presidente e Relator): Preliminarmente, decreto a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva quanto ao delito de porte de entorpecentes. No que tange à condenação remanescente, alusiva ao crime de furto, dou parcial provimento à inconformidade, para afastar a qualificadora do arrombamento, conceder ao réu o benefício do furto privilegiado, diminuir a pena imposta e decretar a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva.

A – Crime do art. 16 da Lei nº 6.368/76:
A pena concretizada na sentença é de seis (6) meses de detenção e vinte (20) dias-multa, no valor unitário de CR$ 25,00. Trata-se de pena carcerária inferior a um ano. O prazo prescricional é o do art. 109, VI, do CP.

O réu tinha 19 anos de idade à época do fato, reduzindo-se de metade, em face disso, o prazo prescricional (art. 115 do CP). Esse prazo, assim, é de um ano.

Tendo transcorrido mais de um (1) ano entre a data do recebimento da denúncia (21.05.97) e a da sentença condenatória (08.06.98), incumbe decretar a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva no tocante à condenação por esse delito, cancelados os efeitos da condenação (arts. 107, IV, 109, VI, 110, parágrafo único, 115 e 118 do CP).

B – Crime de furto:

A prova material é satisfatória.
Em poder do acusado, foram apreendidos um pedaço de pedra ou de “concreto”, um acendedor de cigarros de automóvel, um botão de toca-fitas e um acessório de telefone celular (fl. 10).

Consta à fl. 44 o auto de avaliação dos bens subtraídos.

A vítima declarou, em juízo (fl. 86), que só não recuperou o rádio toca-fitas. Esse não foi apreendido.

A perícia de fl. 41 mostra ter sido quebrado o vidro da porta do lado direito do automóvel da vítima.
Também a prova da autoria ou da co-participação delitiva do apelante no evento é bastante sólida.

A negativa do réu, constante do interrogatório (fl. 104), ficou isolada

Os PMs Nei Edmilson Alves e Jadir Medeiros de Souza disseram em juízo que o réu foi detido, portando em seu poder acessórios do aparelho de som e um adaptador de telefone celular, pertencentes à vítima. Foi apontado por um cidadão que se encontrava no local do fato como sendo um dos autores do crime (fl. 60 e v.).

A testemunha Paulo Roberto Machado da Cunha declarou ter presenciado quando o réu, juntamente com outro indivíduo, achava-se dentro do veículo da vítima, após ter ouvido o barulho do arrombamento; encontrava-se em sua residência; em face disso, acabou chamando a polícia e indicou para os PMs o rumo que tomaram os infratores; o réu acabou sendo preso nas proximidades, oportunidade em que admitiu a autoria (fl. 86v).

A vítima disse, perante o magistrado, que ao tomar conhecimento do fato, dirigiu-se à Delegacia de Polícia; lá reconheceu os acessórios encontrados em poder do réu, como sendo de sua propriedade (fl. 86).

Nenhuma excludente de criminalidade vem em favor do réu. O juízo de reprovabilidade penal contra ele se impunha.

A qualificadora do concurso de agentes acha-se configurada, pois as testemunhas referem a presença de um outro indivíduo juntamente com o réu, dentro do automóvel, durante o evento, o qual logrou fugir.

Entretanto, é de ser afastada a qualificadora do art. 155, § 4º, I, do CP, pois o obstáculo do vidro quebrado do automóvel é inerente ao próprio bem que, em parte, foi subtraído.

Aqui, o automóvel, com todos os seus acessórios, deve ser entendido como constituindo, na verdade, um único bem.

Assim tem entendido respeitável parcela da jurisprudência.

Decidiu o Tribunal de Alçada de São Paulo, que o rompimento de obstáculo, que não é exterior à coisa, como o quebra-vento, em relação ao automóvel, não qualifica o delito de furto. E aqui, não interessa se o réu pretendia “o mais” (subtrair o próprio automóvel) ou apenas alguns acessórios do carro (Apelação 279.063, RT 574/366, apud CELSO DELMANTO, Código Penal Comentado, 1986, p. 268).

Nesse sentido, sempre me posicionei e fui voto vencedor em várias decisões da antiga 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Alçada gaúcho.

Dou, assim, o apelante como incurso nas sanções do art. 155, § 4º, IV, do CP, tão-somente.
A hipótese recomenda a concessão ao réu do benefício do furto privilegiado.
Copiosa é a jurisprudência no sentido da compatibilidade entre o aludido benefício e o furto qualificado pelo concurso de agentes (Julgados do TACrSP, 71/240, 69/404, 69/355). No Tribunal de Alçada gaúcho, e também no TJRGS, inúmeras são, de igual sorte, as decisões nesse sentido

O réu é primário, como reconheceu a sentença.

O valor de um salário mínimo “não deve ser considerado como teto fatal e intransponível” (TACrSP, Apelação 268.143, Julgados 69/397). Essa é a opinião de CELSO DELMANTO, que considera que o valor igual ao salário mínimo pode ser ultrapassado em casos especiais (obra citada, p. 267).

Na espécie, a avaliação do toca-fitas da vítima foi feita de modo indireto (fl. 44).
Os peritos chegaram à cifra de R$ 196,00 o que equivale a pouco menos que um salário mínimo e meio.

Deve-se ponderar, no entanto, que o réu, além de primário, era, na época do fato, um jovem de 19 anos de idade, sem antecedentes criminais, conforme concluiu a sentença (fl. 109).

Assim, reformulo o apenamento.

A pena-base deve ser colocada no mínimo. O réu é primário e não tem antecedentes, segundo a sentença. Pouco se sabe sobre a sua personalidade ou conduta social anterior. Agiu com dolo comum. Motivos próprios do crime. O comportamento da vítima não contribuiu para o fato. Conseqüências alusivas à perda do toca-fitas e à quebra de um vidro.
Diminuo, assim, a pena-base para 2 anos de reclusão.

Em face da atenuante da menoridade, diminuo a referida sanção de 6 meses.

Esta Câmara Criminal tem firmado entendimento no sentido de que as atenuantes podem fazer retroceder a pena a quantitativo inferior ao mínimo legal, quando as circunstâncias judiciais são favoráveis ao réu.

Diminuo, portanto, a pena carcerária do réu para um (1) ano e seis (6) meses de reclusão.

Tendo reconhecido em favor do réu o benefício do art. 155, § 2º, do CP, reduzo de metade a referida sanção, para concretizá-la em nove (9) meses de reclusão.

A sanção pecuniária é diminuída para dez (10) dias-multa no valor unitário mínimo de lei.
Extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva:

Tendo transcorrido mais de um ano entre a data do recebimento da denúncia (21.05.97) e a data da sentença condenatória recorrível (08.06.98), incumbe decretar a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, pelos mesmos fundamentos invocados no tocante ao delito de porte de entorpecentes (arts. 107, IV, 109, VI, 110, § 1º, 115 e 118 do CP), cancelados os efeitos da condenação.

Em resumo, preliminarmente, decreto a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, em relação ao delito do art. 16 da Lei nº 6.368/76; e no que diz respeito à condenação remanescente pelo crime de furto, afasto a qualificadora do art. 155, § 4º, I, do CP, concedo ao réu o benefício do art. 155, § 2º, do CP e reduzo a pena imposta, concretizando-a em nove (9) meses de reclusão e dez (10) dias-multa no valor unitário mínimo de lei, declarando, de igual sorte, em relação a essa, a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, cancelados os efeitos da condenação.

Des. ARAMIS NASSIF (Revisor vencido em parte): Com a devida vênia, acompanho em parte o Relator.


Fonte imagem: Pinterest

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