Recentemente, voltou
ao debate no meio jurídico e
na sociedade brasileira a decisão tomada pelo Ministério da Educação e Cultura
(MEC), de homologar o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) e
autorizar a abertura e o funcionamento, em todo o País, dos cursos superior de
tecnologia e técnico em serviços jurídicos. A autorização foi publicada em
18/04/2017, no Diário Oficial da União.
Apesar dessa atual decisão, esses cursos já estavam em atividade em
algumas faculdades, contudo, após pedido o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (CFOAB), o MEC decidiu suspender as aulas e a execução das
demais atividades de ensino até que fossem concretizados os debates e
discussões sobre o assunto.
Acontece, entretanto, que embora essa interrupção provisória tenha
ocorrido, o fato é que hoje esses cursos voltaram a funcionar e, agora, com a
chancela do MEC. Como consequência disso, outras instituições de ensino já se
apressam para formalizar pedidos de abertura de cursos para ofertar novas
vagas.
É exatamente aí que está o perigo, senhores.
De acordo com o presidente do OAB Nacional, Cláudio Lamachia, há anos o
MEC vem liberando de maneira arbitrária o funcionamento de faculdades
caça-níqueis, que não têm condição de formar profissionais qualificados e
vendem a ideia de uma carreira de nível superior. Elas não possuem condições de
cumprir o que prometem, promovendo verdadeiros estelionatos educacionais nos
quais os alunos e seus familiares são as primeiras vítimas.
Os cursos tecnológicos e técnicos em serviços jurídicos irão precarizar
ainda mais o ensino das ciências jurídicas, colocando em xeque não só a
qualidade do serviço prestado ao cidadão, mas também a segurança jurídica que
dele se espera. Como consequência, esses cursos tentarão vender a falsa
facilidade de se chegar ao mercado de trabalho e exercer as mesmas funções dos
integrantes das carreiras jurídicas hoje existentes, como a de advogado, por
exemplo, além de cargos da estrutura da administração judiciária, como técnico
judiciário, tabelião, oficial de justiça, mediador, conciliador, etc.
Sobre o tema, veja um anúncio publicado no site de
uma faculdade que oferece o curso de tecnólogo e técnico em serviços jurídicos:
“O curso prepara você para um excelente desempenho
nas carreiras parajurídicas do poder judiciário, cartórios judiciais e
extrajudiciais, tabelionatos, escritórios de advocacia, esfera policial,
departamentos jurídicos e de recursos humanos de empresas, assessoria
parlamentar, ou como profissional autônomo. Bela carreira, com belas
possibilidades de ganhos”.
Logo, o risco do avanço desses cursos pode afetar futuramente não só a
advocacia, mas também a própria estrutura da administração pública. Isso porque
há possibilidade legal de contratação de pessoal sem concurso público, e tal
mecanismo pode ser utilizado para suprir alguns cargos com profissionais
técnicos em serviços jurídicos, o que seria menos burocrático e infinitamente
mais barato para a administração pública. Tal escolha, porém, iria preterir o
interesse daqueles que desejam ingressar na carreira estatal pela via do
concurso público, cuja abertura de novos certames (já tão escassa hoje em dia)
seria praticamente aniquilada.
E não é só. Os referidos cursos usurpam as
atividades privativas dos advogados e dos estagiários em Direito; violam a Lei
n. 8.906/94
(Estatuto
da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil); são impróprios
para o fim a que se propõem; causam confusão a quem procura a formação e ainda
levam consigo nomenclatura equivocada.
Os estudantes de Direito, vale lembrar, serão os principais afetados
pela abertura desses cursos. Da forma como está, o tecnólogo ou técnico em
serviços jurídicos pretende exercer as mesmas funções hoje destinadas aos
acadêmicos de Direito, exatamente as mesmas! Daí pergunta-se: será o fim dos
estudantes e dos estagiários do curso de Direito? Ao que parece, sim. O que se
verá é uma concorrência sem precedentes entre acadêmicos que, de um lado,
necessitam de uma formação que está prevista na sua grade curricular, e, de
outro, profissionais tecnólogos ou técnicos que irão avocar para si inúmeras
funções e atribuições que de fato sempre foram dos estagiários em Direito.
Portanto, isso afetará o futuro da advocacia e da boa formação acadêmica no
país.
A situação atual aqui debatida foi bem retratada por Maurício Geiseler:
“resumindo: essa autorização do MEC é uma paulada na advocacia e no ensino
jurídico”.
Em que pese tudo isso, é compreensível a decisão recente tomada pelo
MEC. Não se esqueça, caro leitor, que estamos às vésperas de uma votação, na
Câmara dos Deputados, que deverá aceitar ou rejeitar mais uma denúncia
oferecida pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel
Temer, dessa vez, pela prática dos crimes de organização criminosa e obstrução
de justiça. Para tentar se “safar” de mais essa "flechada", o chefe
do executivo federal precisa “agradar” alguns parlamentares de diversas
bancadas e frentes, a exemplo daqueles que defendem os interesses empresarias
das instituições de ensino (sim, há inúmeros políticos que são “donos” de
faculdade e universidades Brasil afora), e, por tal razão, oferecê-los a
oportunidade de aumentar os seus lucros com a oferta de um curso que pode
atrair a atenção de muitas pessoas, parece ser algo positivo, em troca de
ampliar sua frente de votação na Câmara para barrar a denúncia existente contra
si.
Sobre esse tema, Cláudio Lamachia diz que “num momento de crise
política, é preciso pensar em um futuro melhor. Não é isso que o governo faz ao
usar a educação como moeda de troca para agradar empresários ou políticos. É
preciso que o governo enxergue a educação como um elemento de transformação e
não como só mais um elemento de seu jogo espúrio de toma lá dá cá. É preciso
garantir bases para um país melhor”, alertou.
Mas nem tudo está perdido. A OAB Nacional anunciou na última sexta-feira
(6) que vai à Justiça para barrar a autorização concedida pelo Ministério da
Educação para a implementação de cursos técnicos e tecnólogos em serviços
jurídicos. O instrumento legal ainda será avaliado pela Entidade.
De qualquer sorte, o fato é que os cursos
tecnológicos e técnicos em serviços jurídicos não terão vida fácil nos próximos
meses e a tendência é que eles não avancem, especialmente por sua inutilidade
prática e incompatibilidade de objetivos, sendo certo que aquelas pessoas
eventualmente interessadas em cursá-los, devem estar atentas para os riscos que
podem estar assumindo ao investir seu sonho profissional, futuro e capital
financeiro em uma formação precária e que se traduz em verdadeiro estelionato
educacional.
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