A
tipificação da transmissão do HIV
A tipificação da transmissão do vírus
HVI no Brasil, é um assunto cercado por muitas polêmicas e controvérsias; mas antes de se falar da tipificação da conduta do
indivíduo que transmite dolosamente acquired
immunodeficiency syndrome (AIDS)
a outrem, é importante entender mais sobre a essa doença que pode ser fatal.
A
AIDS foi identificada em 1981. Seu agente etiológico é um vírus, o HIV (human
immunodefiency vírus), isolado no ano de 1983. A doença é caracterizada por
intensa e continua replicação viral, que resulta principalmente, na destruição
das células de defesa CD4. Tal destruição, associada a outras alterações, leva
a imunodeficiência. Existe uma estimativa de que cerca de 40 milhões de pessoas
estão infectadas com to vírus HIV. Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), a maioria delas foi infectada entre os anos de 1980 e 2001, anos em que
foram notificados 215.000 casos, sendo a proporção de 3:1 em homens e mulheres
respectivamente.
Sabe-se que o vírus pode ser transmitido
pelo sangue, sêmen, fluido pré-seminal, fluido vaginal, leite materno e outros
fluidos que contenham sangue. Por esse motivo, segundo vários autores, a AIDS
não pode ser considerada uma doença venérea, porque doenças venéreas, que são
tipificadas pelo artigo 130 do Código Penal (‘art. 130. Expor alguém, por meio de relações sexuais
ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve
saber que está contaminado’), são aquelas transmitidas única e
exclusivamente pelo ato sexual, ou seja, doença sexualmente transmissível
apenas. Entretanto, essa é uma das polêmicas que cercam a tipificação da
transmissão do HIV, visto que há o perigo por contágio venéreo
(art. 130, §1o do Código Penal), já que o HIV pode ser
transmitido pelo ato sexual, assim, pode-se imaginar que aquele que transmite
intencionalmente HIV por meio do sexo incorre em perigo de contágio venéreo.
Há, também, outro tipo penal que abrange o
vírus HIV seria o artigo 131 do Código Penal, como perigo de contágio de
moléstia grave (‘art. 131. Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia
grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio’), uma
vez que o HIV é uma doença grave, pode-se imaginar que o agente que transmite o
vírus intencionalmente responde pelo crime de perigo de contágio de moléstia
grave (como é possível ver no exemplo: HC 98.712 do
STF), porém
há decisões do STJ (STJ - HC
160982/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz. Julgado em 17 mai. 2012) que
qualificam a AIDS como lesão corporal gravíssima, prevista pelo artigo 129 § 2º, II do Código
Penal , visto que é uma enfermidade incurável e, dessa forma, seria mais do que
um moléstia grave.
Outra
tipificação já considerada para a transmissão dolosa do vírus HIV é tentativa
de homicídio, tem-se que, em tese, ela é possível. Abstratamente
considerando-se possível provar, por exemplo, que o marido queria a morte da
esposa, sabia que o HIV poderia, eventualmente, levá-la à morte e praticou o
ato sexual buscando, com isso, inocular o vírus nela, então, pode-se cogitar da
tentativa de homicídio. O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já
considerou que, “em havendo dolo de matar, a relação sexual forçada e dirigida
à transmissão do vírus da AIDS, é idônea para a caracterização da tentativa de
homicídio” (HC 9.378/RS). Contudo, a questão é controversa, seja porque a
comprovação do dolo de matar (animus
necandi) é difícil, seja porque, muitas vezes, a AIDS é considerada
uma “ doença crônica”, que não necessariamente provocará a morte. No caso do contexto de atual, o TJDFT considerou que o
marido que transmite, intencionalmente, o vírus HIV à sua parceira por meio de
relação sexual não pratica tentativa de homicídio, nem perigo de contágio de
moléstia grave, mas sim lesão corporal gravíssima (CP, art. 129, §2o,
II), por se tratar de enfermidade incurável, como é possível ver na notícia (veja aqui a notícia).
Dessa forma, pode se observar que a lesão corporal gravíssima é a tipificação
mais aceita, para os casos de transmissão dolosa da AIDS atualmente.
Como foi
exposto a tipificação da transmissão dolosa do HIV levanta muitas questões no
judiciário, mas também questões sociais. Para o
movimento social brasileiro de AIDS a transmissão do HIV deve ser tratada como
caso de saúde pública, de justiça social e de direitos humanos e não como caso
de polícia nem de justiça penal. Criminalizar questões de saúde pública, como a
transmissão do HIV, não é uma política de Estado apropriada, porque mina os
esforços do Estado para combater a epidemia. A prioridade para o Estado deve
ser o combate da enfermidade, e a tipificação da transmissão da AIDS não vem
contribuindo para isso, visto que o número de casos da doença, no Brasil,
aumentou 3% em 2017 segundo a ONU.
Referências:
1-
JusBrasil: https://eudesquintino.jusbrasil.com.br/artigos/121823192/aids-sua-transmissao-consciente-implica-em-lesao-corporal-gravissima (acesso: 08/09/17)
2-
Consultor Jurídico: http://www.conjur.com.br/2014-jun-21/lucas-rezende-transmissao-dolosa-hiv-crime-lesao-gravissimo (acesso: 08/09/17)
3- Direito Penal em Contexto: http://www.direitopenalemcontexto.com.br/wp-content/uploads/2016/10/hc98712-STF-ementa-e-acordao.pdf (acesso: 08/09/17)
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