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domingo, 15 de outubro de 2017

Espaço do acadêmico - Juliane Louzene de Melo Ribeiro



A tipificação da transmissão do HIV

A tipificação da transmissão do vírus HVI no Brasil, é um assunto cercado por muitas polêmicas e controvérsias; mas antes de se falar da tipificação da conduta do indivíduo que transmite dolosamente acquired immunodeficiency syndrome (AIDS) a outrem, é importante entender mais sobre a essa doença que pode ser fatal.

A AIDS foi identificada em 1981. Seu agente etiológico é um vírus, o HIV (human immunodefiency vírus), isolado no ano de 1983. A doença é caracterizada por intensa e continua replicação viral, que resulta principalmente, na destruição das células de defesa CD4. Tal destruição, associada a outras alterações, leva a imunodeficiência. Existe uma estimativa de que cerca de 40 milhões de pessoas estão infectadas com to vírus HIV. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a maioria delas foi infectada entre os anos de 1980 e 2001, anos em que foram notificados 215.000 casos, sendo a proporção de 3:1 em homens e mulheres respectivamente.

Sabe-se que o vírus pode ser transmitido pelo sangue, sêmen, fluido pré-seminal, fluido vaginal, leite materno e outros fluidos que contenham sangue. Por esse motivo, segundo vários autores, a AIDS não pode ser considerada uma doença venérea, porque doenças venéreas, que são tipificadas pelo artigo 130 do Código Penal (‘art. 130. Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado’), são aquelas transmitidas única e exclusivamente pelo ato sexual, ou seja, doença sexualmente transmissível apenas. Entretanto, essa é uma das polêmicas que cercam a tipificação da transmissão do HIV, visto que há o perigo por contágio venéreo (art. 130, §1o do Código Penal), já que o HIV pode ser transmitido pelo ato sexual, assim, pode-se imaginar que aquele que transmite intencionalmente HIV por meio do sexo incorre em perigo de contágio venéreo.

Há, também, outro tipo penal que abrange o vírus HIV seria o artigo 131 do Código Penal, como perigo de contágio de moléstia grave (‘art. 131. Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio’), uma vez que o HIV é uma doença grave, pode-se imaginar que o agente que transmite o vírus intencionalmente responde pelo crime de perigo de contágio de moléstia grave (como é possível ver no exemplo: HC 98.712 do STF), porém há decisões do STJ (STJ - HC 160982/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz. Julgado em 17 mai. 2012) que qualificam a AIDS como lesão corporal gravíssima, prevista pelo artigo 129  § 2ºII do Código Penal , visto que é uma enfermidade incurável e, dessa forma, seria mais do que um moléstia grave.

Outra tipificação já considerada para a transmissão dolosa do vírus HIV é tentativa de homicídio, tem-se que, em tese, ela é possível. Abstratamente considerando-se possível provar, por exemplo, que o marido queria a morte da esposa, sabia que o HIV poderia, eventualmente, levá-la à morte e praticou o ato sexual buscando, com isso, inocular o vírus nela, então, pode-se cogitar da tentativa de homicídio. O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já considerou que, “em havendo dolo de matar, a relação sexual forçada e dirigida à transmissão do vírus da AIDS, é idônea para a caracterização da tentativa de homicídio” (HC 9.378/RS). Contudo, a questão é controversa, seja porque a comprovação do dolo de matar (animus necandi) é difícil, seja porque, muitas vezes, a AIDS é considerada uma “ doença crônica”, que não necessariamente provocará a morte. No caso do contexto de atual, o TJDFT considerou que o marido que transmite, intencionalmente, o vírus HIV à sua parceira por meio de relação sexual não pratica tentativa de homicídio, nem perigo de contágio de moléstia grave, mas sim lesão corporal gravíssima (CP, art. 129, §2o, II), por se tratar de enfermidade incurável, como é possível ver na notícia (veja aqui a notícia). Dessa forma, pode se observar que a lesão corporal gravíssima é a tipificação mais aceita, para os casos de transmissão dolosa da AIDS atualmente.

Como foi exposto a tipificação da transmissão dolosa do HIV levanta muitas questões no judiciário, mas também questões sociais. Para o movimento social brasileiro de AIDS a transmissão do HIV deve ser tratada como caso de saúde pública, de justiça social e de direitos humanos e não como caso de polícia nem de justiça penal. Criminalizar questões de saúde pública, como a transmissão do HIV, não é uma política de Estado apropriada, porque mina os esforços do Estado para combater a epidemia. A prioridade para o Estado deve ser o combate da enfermidade, e a tipificação da transmissão da AIDS não vem contribuindo para isso, visto que o número de casos da doença, no Brasil, aumentou 3% em 2017 segundo a ONU.


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