Lei 12.737 de 2012 tornou crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares
Em 2012 tornaram-se públicas algumas fotos de conhecida atriz. As imagens estavam armazenadas no laptop e foram copiadas irregularmente pelo meliante que cobrava R$ 10.000,00 para não lhes dar publicidade.
A matéria tornou-se objeto de debates e a imprensa realizou ampla cobertura do caso, que é apontado até hoje como demonstrativo da nossa legislação fraca na matéria.
(Por ex: https://oglobo.globo.com/rio/carolina-dieckmann-fotos-da-atriz-nua-aparecem-em-pagina-do-governo-de-sao-paulo-4906564)
O jornal Folha de São Paulo publicou um texto muito elucidativo, razão pela qual é aqui reproduzido:.
"Já falamos diversas vezes aqui sobre
o problema da segurança de fotos comprometedoras na internet. Essa matéria é
interessante para falarmos dos crimes cometidos por quem as divulga.
Segundo a matéria, os suspeitos serão investigados por extorsão, difamação e
furto. Vamos entender cada um deles.
Eles serão investigados por extorsão porque fizeram uma
chantagem contra a vítima. Ameaçaram divulgar as imagens dela nua caso não
recebessem o dinheiro exigido. Extorsão é exatamente isso. Uma espécie de
chantagem envolvendo violência ou grave ameaça na qual se obriga a vítima a dar
algo ao criminoso.
E qual é a diferença entre a extorsão e o roubo? No roubo o ladrão também exige
(ou toma) algo da vítima. Em ambos os crimes, há violência ou grave ameaça (no
caso, ameaçaram divulgar as fotos). Mas, enquanto no roubo o criminoso pode
conseguir seu objetivo sem a cooperação da vítima, na extorsão ele jamais
conseguiria seu objetivo sem tal cooperação. Na matéria acima, o dinheiro
dela estava em uma conta bancária: se ela não desse o dinheiro para ele, ele
poderia até fazer o que ameaçava (como de fato fez), mas não conseguiria
alcançar seu intuito (se apoderar do dinheiro). É por isso que os tais
‘sequestros relâmpagos’ são extorsões e não roubos. O ladrão precisa que a
vítima coopere (digite a senha). Se a vítima não cooperar, ele não alcança seu
objetivo (sacar o dinheiro do caixa eletrônico).
O segundo crime citado pela matéria é a difamação. A difamação
ocorre quando alguém imputa a outra pessoa um fato que lhe ofenda a honra. No
caso, a divulgação das fotos da atriz pelada lhe ofendeu a honra. Note que quem
determina se a honra foi ofendida é a própria vítima. Se ela não se importasse
com a divulgação, não teria ocorrido difamação. Apenas quem é difamado pode
dizer se sua honra foi ofendida. É por isso que quem circula fotos de revistas
adultas (Playboy, Sexy etc) não está cometendo difamação: a pessoa retratada
autorizou que as fotos fossem tiradas (mas quem circula tais fotos pode estar
violando a propriedade intelectual dos donos da foto).
E por que é difamação e não injúria ou calúnia?
Não é calúnia porque tirar fotos pelada não é crime. Logo, o criminoso não
disse que ela cometeu um crime. E não é injúria porque ele imputou a ela um
fato e não apenas uma pecha. Xingar alguém é uma pecha. Tirar fotos nuas é um
fato (algo definido no espaço e no tempo).
Por último, o mais complicado: o furto. O furto acontece quando alguém tira de
outra pessoa algo que a vítima tem consigo, sem violência e grave ameaça (caso
contrário, seria roubo). É o caso da batedor de carteira. Logo, o delegado dá a
entender que, em algum momento, alguém tirou algo da atriz (provavelmente as
fotos) sem que ela percebesse ou sem que ela houvesse sido ameaçado sofresse
uma violência. Uma outra alternativa é que, em vez de furto, tenha ocorrido uma
apropriação indébita, que é um crime parecido com o furto. A diferença é que,
enquanto no furto o ladrão tira da vítima, na apropriação indébita é a vítima
quem dá algo ao ladrão de livre e espontânea vontade (por exemplo, deixa o
computador e seu conteúdo com ele para ser consertado) e o ladrão se apropria
indevidamente do equipamento ou seu conteúdo sem a autorização da vítima,
passando dos limites daquilo que lhe foi permitido pela vítima.
Há mais um detalhe importante tanto em relação à apropriação indébita quanto ao
furto: ambos envolvem privação da coisa possuída (no furto, o criminoso subtrai
a coisa alheia, enquanto a apropriação indébita envolve, o nome já diz, apropriar-se
da coisa alheia). Logo, você pode furtar ou se apropriar indevidamente de um
computador ou de uma parte dele. Mas o mesmo não ocorre com coisas incorpóreas.
Ninguém 'furta uma ideia' porque aquela ideia pode existir em mais de um lugar
ao mesmo tempo. Você teve uma ótima ideia e a dividiu comigo. O fato de eu
agora também ter aquela ideia na cabeça não o priva dela: ambos agora a
compartilhamos. O mesmo ocorre com conhecimento, amor, saudade etc. E o mesmo
ocorre com arquivos digitais: eles podem existir em mais de um lugar ao mesmo
tempo. Logo, eles não são furtados, roubados etc. Os meios físicos no qual
estão armazenados (CDs, discos rígidos etc) é que são.
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