A tentativa no Art 146 do Código
Penal
RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de
inicialmente destrinchar as nuances do artigo 146 do Código Penal, que trata do
instituto do Constrangimento Ilegal, e avaliar se há a possibilidade de
cabimento da tentativa neste tipo penal.
O preceito primário define o crime de constrangimento ilegal como
sendo:
art. 146, CP - “Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade
de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou fazer o que ela não manda.
A pena será de detenção de 3 (três) meses a 1(um) ano, ou multa.
A objetividade jurídica desse tipo penal é proteger e assegurar a
liberdade pessoal, ou seja, a liberdade de autodeterminação. Essa premissa
encontra amparo constitucional no art. 5o , II da Constituição
Federal. Entretanto, temos aqui, um agente imbuído de dolo direto que tem o desígnio
de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo contra sua vontade, cuja
forma de execução será mediante violência ou grave ameaça. Afronta-se,
portanto, esse artigo que dita que: “ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei”.
Partindo para uma análise mais objetiva do que é descrito no
próprio tipo, temos constranger como sendo o verbo núcleo. Podemos
entender constranger, nessa perspectiva, no sentido de obrigar ou
coagir. Em seguida, a lei estabelece as seguintes formas de
realização do constrangimento ilegal: (a) mediante violência (força física,
real), (b) grave ameaça (violência moral, intimidação) ou (c) qualquer outro
meio (ingestão de álcool, drogas, hipnose etc.), reduzindo-lhe a capacidade de
resistência. Esses quaisquer outros meios precisam necessariamente ter
a capacidade de reduzir ou diminuir a resistência da vítima. Além disso,
segundo Capez, a ação de constranger deve ser ilegítima, ou seja, o coator não
deve ter o direito de exigir da vítima realização ou abstenção de determinado
comportamento.
Quanto ao momento da consumação, é unânime o entendimento no
sentido de que se trata de crime material, em que a
consumação só ocorre quando a vítima, coagida, faz o que o agente mandou que
ela fizesse, ou deixa de fazer o que ele ordenou que não fizesse. Trata-se
de crime diferenciado, na medida em que a consumação do crime se dá no momento
da ação ou omissão da vítima. Sendo assim, é possível a tentativa se o
agente emprega a violência ou grave ameaça e não obtém, por circunstâncias
alheias à sua vontade, a ação ou omissão da vítima.
Entende-se, dessa forma, que a consumação do delito se dá apenas
quando a vítima faz ou deixar de fazer alguma coisa. Assim, é cabível,
tratando-se de delito material em que pode haver o fracionamento das fases de
realização, a tentativa do crime de constrangimento ilegal.
Nas palavras de Bitencourt, consuma-se o crime de constrangimento
ilegal quando o ofendido faz ou deixa de fazer aquilo a que foi constrangido.
Deve-se ter presente que não se trata de crime de mera atividade, que se
consuma com a simples ação, mas de crime de lesão que tem uma execução
complexa, exigindo duplicidade comportamental: a ação coativa do
sujeito ativo e a atividade coagida do sujeito passivo, fazendo ou não fazendo
aquilo a que foi constrangido. Assim, consuma-se o crime quando o constrangido,
em razão da violência ou grave ameaça sofrida, começa a obedecer ou não obedecer
a imposição do sujeito ativo. Enquanto o coagido não ceder à vontade do
sujeito ativo, isto é, enquanto não der início ao “fazer ou não fazer”, a
violência ou grave ameaça poderão configurar somente a tentativa.
Em suma, por se tratar de crime material e instantâneo, admite-se
a tentativa desde que a vítima não realize o comportamento desejado pelo
sujeito ativo por circunstâncias alheias a sua vontade.
Por fim, tem-se a ideia da subsidiariedade do crime de
constrangimento ilegal. Isso significa que é um delito que não
foi elemento constitutivo de outros crimes, ou seja, são aqueles crimes
que não são absorvidos pelo crime fim. O delito do artigo 146, do Código
Penal Brasileiro, é tipicamente subsidiário, porque a sanção penal nele
prevista é um meio repressivo suplementar, pré-disposto para o caso em que
determinado fato, compreendido no conceito do constrangimento ilegal, não
seja especialmente previsto como elemento integrante de outro crime, como
roubo, a extorsão, o estupro, o exercício arbitrário das próprias razões. Por
essa razão é o constrangimento absorvido nos crimes de roubo, a desobediência e
exercício arbitrário das próprias razões. Ou seja, caso o
constrangimento ilegal não seja meio para prática de outro crime, como o roubo,
por exemplo, ele não será absorvido pelo crime-fim.
Destaque para algumas decisões que atestam a possibilidade do
cabimento da tentativa do art. 146 do Código Penal e também em relação à
subsidiariedade do crime de Constrangimento Ilegal:
APELAÇÃO. TENTATIVA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL MAJORADO. APLICAÇÃO
DA PENA PELO CRIME DE CONSTRANGIMENTO NA FORMA SIMPLES TENTADO. CONTRADIÇÃO
SANADA. Embora tenha reconhecido na fundamentação da sentença que a tentativa
de constrangimento tenha se dado mediante o emprego de arma de fogo, ao
formular o dispositivo, o Magistrado condenou os réus, como incursos
nas sanções do artigo 146, caput, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código
Penal, e aplicou tão somente a pena de multa, já que o preceito secundário
do caput do artigo 146 do Código Penal prevê detenção de 03 meses a 01 ano,...
(TJ-RS -
ACR: 70042049999 RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Data de
Julgamento: 31/08/2011, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia 23/09/2011)
APELAÇÃO CRIMINAL. CÓDIGO PENAL: ART. 150, §
1º. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. ART. 129, § 9º. LESÃO CORPORAL QUALIFICADA. ART. 146
C/C ART. 14, II. TENTATIVA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONDENAÇÃO
MANTIDA. CORRETA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE. Certa a existência dos fatos,
amparadas pelos laudos periciais, induvidosa a autoria, eis que réu confesso.
Pena fixada com moderação. Sentença mantida por seus próprios fundamentos.
Apelo IMPROVIDO.
(TJ-TO -
APR: 50038806820128270000, Relator: EURÍPEDES LAMOUNIER)
ROUBO materialidade auto de apreensão e prova oral que indica a
tentativa de subtração mediante grave ameaça de bens que se encontravam
diretamente na posse de vítimas diferentes assaltante que tinha plena
consciência que afetaria dois patrimônios distintos crime único impossibilidade
concurso formal Precedentes dos Tribunais Superiores negado provimento para
este fim. DESCLASSIFICAÇÃO constrangimento ilegal hipótese em que os
fatos ajustam-se exatamente ao delito de roubo subsidiariedade do crime de
constrangimento ilegal negado provimento para este fim. INSIGNIFICÂNCIA não
aplicação ao crime de roubo por se tratar de crime complexo, também afetando a
integridade física ou psíquica da vítima valor da res furtiva que não é ínfimo
negado provimento para este fim. ROUBO autoria confissão judicial corroborada
pelo restante da prova depoimento de vítima e testemunha indicando como autor
validade. PENA base fixada no mínimo legal reconhecida a atenuante da
confissão, sem reflexos na pena, a circunstância atenuante não possui o condão
de reduzir a pena aquém do mínimo legal Súmula 231 do STJ – redução em 2/3 pelo
reconhecimento da tentativa o roubador não chegou a ter a posse da res
manutenção da fração negado provimento ministerial para este fim exasperação em
1/6 em face do concurso formal alteração de erro material da pena provimento
para este fim. REGIME aberto abordagem das vítimas em interior de ônibus sem o
emprego de arma réu que acabou detido pelos próprios passageiros –
circunstâncias judiciais favoráveis e quantum de pena manutenção
impossibilidade de fixação de regime mais severo negado provimento ministerial
para este fim condições especiais arbitradas para cumprimento do regime aberto
afastadas – duplo apenamento – inadmissibilidade da fixação de pena substitutiva
como condição especial ao regime aberto Súmula 493 do STJ – provimento para
este fim – sursis – condições mais benéficas do que aquelas arbitradas para o
cumprimento da pena em regime aberto manutenção negado provimento para este fim.
(TJ-SP - APL: 00205282220118260050 SP 0020528-22.2011.8.26.0050,
Relator: Lauro Mens de Mello, Data de Julgamento: 09/04/2015, 8ª Câmara de
Direito Criminal, Data de Publicação: 16/04/2015)
Referências Bibliográficas
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte
especial, crimes contra a pessoa. Vol. 2. 16ª ed. São Paulo: Saraiva,
2016.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 14. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014. v. 2
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