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sábado, 21 de outubro de 2017

Espaço do acadêmico - Maria Alice Pinto de Melo


A tentativa no Art 146 do Código Penal 

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de inicialmente destrinchar as nuances do artigo 146 do Código Penal, que trata do instituto do Constrangimento Ilegal, e avaliar se há a possibilidade de cabimento da tentativa neste tipo penal.

O preceito primário define o crime de constrangimento ilegal como sendo:

art. 146, CP - “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou fazer o que ela não manda.

A pena será de detenção de 3 (três) meses a 1(um) ano, ou multa.

A objetividade jurídica desse tipo penal é proteger e assegurar a liberdade pessoal, ou seja, a liberdade de autodeterminação. Essa premissa encontra amparo constitucional no art. 5, II da Constituição Federal. Entretanto, temos aqui, um agente imbuído de dolo direto que tem o desígnio de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo contra sua vontade, cuja forma de execução será mediante violência ou grave ameaça. Afronta-se, portanto, esse artigo que dita que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei”.

Partindo para uma análise mais objetiva do que é descrito no próprio tipo, temos constranger como sendo o verbo núcleo. Podemos entender constranger, nessa perspectiva, no sentido de obrigar ou coagir. Em seguida, a lei estabelece as seguintes formas de realização do constrangimento ilegal: (a) mediante violência (força física, real), (b) grave ameaça (violência moral, intimidação) ou (c) qualquer outro meio (ingestão de álcool, drogas, hipnose etc.), reduzindo-lhe a capacidade de resistência. Esses quaisquer outros meios precisam necessariamente ter a capacidade de reduzir ou diminuir a resistência da vítima. Além disso, segundo Capez, a ação de constranger deve ser ilegítima, ou seja, o coator não deve ter o direito de exigir da vítima realização ou abstenção de determinado comportamento.

Quanto ao momento da consumação, é unânime o entendimento no sentido de que se trata de crime material, em que a consumação só ocorre quando a vítima, coagida, faz o que o agente mandou que ela fizesse, ou deixa de fazer o que ele ordenou que não fizesse. Trata-se de crime diferenciado, na medida em que a consumação do crime se dá no momento da ação ou omissão da vítima. Sendo assim, é possível a tentativa se o agente emprega a violência ou grave ameaça e não obtém, por circunstâncias alheias à sua vontade, a ação ou omissão da vítima.

Entende-se, dessa forma, que a consumação do delito se dá apenas quando a vítima faz ou deixar de fazer alguma coisa. Assim, é cabível, tratando-se de delito material em que pode haver o fracionamento das fases de realização, a tentativa do crime de constrangimento ilegal.

Nas palavras de Bitencourt, consuma-se o crime de constrangimento ilegal quando o ofendido faz ou deixa de fazer aquilo a que foi constrangido. Deve-se ter presente que não se trata de crime de mera atividade, que se consuma com a simples ação, mas de crime de lesão que tem uma execução complexa, exigindo duplicidade comportamental: a ação coativa do sujeito ativo e a atividade coagida do sujeito passivo, fazendo ou não fazendo aquilo a que foi constrangido. Assim, consuma-se o crime quando o constrangido, em razão da violência ou grave ameaça sofrida, começa a obedecer ou não obedecer a imposição do sujeito ativo. Enquanto o coagido não ceder à vontade do sujeito ativo, isto é, enquanto não der início ao “fazer ou não fazer”, a violência ou grave ameaça poderão configurar somente a tentativa.

Em suma, por se tratar de crime material e instantâneo, admite-se a tentativa desde que a vítima não realize o comportamento desejado pelo sujeito ativo por circunstâncias alheias a sua vontade.

Por fim, tem-se a ideia da subsidiariedade do crime de constrangimento ilegal. Isso significa que é um delito que não foi elemento constitutivo de outros crimes, ou seja, são aqueles crimes que não são absorvidos pelo crime fim. O delito do artigo 146, do Código Penal Brasileiro, é tipicamente subsidiário, porque a sanção penal nele prevista é um meio repressivo suplementar, pré-disposto para o caso em que determinado fato, compreendido no conceito do constrangimento ilegal, não seja especialmente previsto como elemento integrante de outro crime, como roubo, a extorsão, o estupro, o exercício arbitrário das próprias razões. Por essa razão é o constrangimento absorvido nos crimes de roubo, a desobediência e exercício arbitrário das próprias razões. Ou seja, caso o constrangimento ilegal não seja meio para prática de outro crime, como o roubo, por exemplo, ele não será absorvido pelo crime-fim.

Destaque para algumas decisões que atestam a possibilidade do cabimento da tentativa do art. 146 do Código Penal e também em relação à subsidiariedade do crime de Constrangimento Ilegal:

APELAÇÃO. TENTATIVA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL MAJORADO. APLICAÇÃO DA PENA PELO CRIME DE CONSTRANGIMENTO NA FORMA SIMPLES TENTADO. CONTRADIÇÃO SANADA. Embora tenha reconhecido na fundamentação da sentença que a tentativa de constrangimento tenha se dado mediante o emprego de arma de fogo, ao formular o dispositivo, o Magistrado condenou os réus, como incursos nas sanções do artigo 146, caput, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, e aplicou tão somente a pena de multa, já que o preceito secundário do caput do artigo 146 do Código Penal prevê detenção de 03 meses a 01 ano,...

(TJ-RS - ACR: 70042049999 RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Data de Julgamento: 31/08/2011, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 23/09/2011)


APELAÇÃO CRIMINAL. CÓDIGO PENAL: ART. 150, § 1º. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. ART. 129, § 9º. LESÃO CORPORAL QUALIFICADA. ART. 146 C/C ART. 14, II. TENTATIVA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONDENAÇÃO MANTIDA. CORRETA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE. Certa a existência dos fatos, amparadas pelos laudos periciais, induvidosa a autoria, eis que réu confesso. Pena fixada com moderação. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. Apelo IMPROVIDO.

(TJ-TO - APR: 50038806820128270000, Relator: EURÍPEDES LAMOUNIER)

ROUBO materialidade auto de apreensão e prova oral que indica a tentativa de subtração mediante grave ameaça de bens que se encontravam diretamente na posse de vítimas diferentes assaltante que tinha plena consciência que afetaria dois patrimônios distintos crime único impossibilidade concurso formal Precedentes dos Tribunais Superiores negado provimento para este fim. DESCLASSIFICAÇÃO constrangimento ilegal hipótese em que os fatos ajustam-se exatamente ao delito de roubo subsidiariedade do crime de constrangimento ilegal negado provimento para este fim. INSIGNIFICÂNCIA não aplicação ao crime de roubo por se tratar de crime complexo, também afetando a integridade física ou psíquica da vítima valor da res furtiva que não é ínfimo negado provimento para este fim. ROUBO autoria confissão judicial corroborada pelo restante da prova depoimento de vítima e testemunha indicando como autor validade. PENA base fixada no mínimo legal reconhecida a atenuante da confissão, sem reflexos na pena, a circunstância atenuante não possui o condão de reduzir a pena aquém do mínimo legal Súmula 231 do STJ – redução em 2/3 pelo reconhecimento da tentativa o roubador não chegou a ter a posse da res manutenção da fração negado provimento ministerial para este fim exasperação em 1/6 em face do concurso formal alteração de erro material da pena provimento para este fim. REGIME aberto abordagem das vítimas em interior de ônibus sem o emprego de arma réu que acabou detido pelos próprios passageiros – circunstâncias judiciais favoráveis e quantum de pena manutenção impossibilidade de fixação de regime mais severo negado provimento ministerial para este fim condições especiais arbitradas para cumprimento do regime aberto afastadas – duplo apenamento – inadmissibilidade da fixação de pena substitutiva como condição especial ao regime aberto Súmula 493 do STJ – provimento para este fim – sursis – condições mais benéficas do que aquelas arbitradas para o cumprimento da pena em regime aberto manutenção negado provimento para este fim.

(TJ-SP - APL: 00205282220118260050 SP 0020528-22.2011.8.26.0050, Relator: Lauro Mens de Mello, Data de Julgamento: 09/04/2015, 8ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 16/04/2015)


Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, crimes contra a pessoa. Vol. 2. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 2


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