Mães que esquecem o filho no carro
merecem uma
punição?
Com uma
frequência maior do que gostaríamos, vemos nos jornais notícias sobre pais e
mães que esquecem seus filhos em carros trancados por horas, até que depois se
lembram e retornam, quando não há mais tempo hábil para salvá-los, sendo
responsáveis pela morte de seus filhos por desidratação e falta de cuidados
adequados, tal como ocorreu na última quarta-feira, 17.12, quando duas crianças
foram encontradas mortas nessa situação.
As causas
para tal acontecimento são normalmente estresse, pressa, sobrecarga de trabalho
ou mesmo a saída da rotina naquele dia. Nos casos relatados, é comum
verificarmos que essa situação envolve pais ou mães normalmente amorosos e
responsáveis mas que, por questões pessoais, não se dão conta, esquecem seus
filhos e dessa omissão decorre o acontecimento fatal.
Juridicamente, tal conduta é tipificada no Código Penal como
homicídio culposo (sem intenção), no art. 121, parágrafo
terceiro c/c art. 13, parágrafo 2o, a. Trata-se de crime omissivo que ocorre
quando aqueles que têm por lei obrigação de guarda ou vigilância, como é o caso
de pais em relação a seus filhos, causam-lhes a morte sem intenção, por
negligência, ou seja, ausência do cuidado devido em situações nas quais a
conduta esperada era a garantia de zelo bem-estar de seus filhos. Em outras
palavras, a morte da criança ocorre sem que os pais desejem ou mesmo antevejam
tal ocorrência como possível, mas, por esquecimento, deixam de fazer o que
deveriam.
Porém, a
intervenção da Justiça Criminal nesses casos não tem nenhuma utilidade, eis que
o resultado da conduta criminosa acarreta a seus autores uma perda e uma dor
tão grandes que nenhuma pena faz sentido. Quando finalmente se dão conta do que
deixaram acontecer com seus filhos esses pais ou mães ficam realmente
desesperados.
Reconhecendo esse tipo de situação, na qual a pena perde qualquer
utilidade preventiva ou repressiva, o próprio Código Penal prevê, no
art. 121, parágrafo 5o. A
hipótese de perdão judicial, da seguinte forma: “na hipótese de homicídio
culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da
infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se
torne desnecessária.” Esse é exatamente o caso aqui analisado, as consequências
da infração – morte de um filho – atingem o agente de forma tão grave que a
pena se mostra desnecessária. Trata-se de reconhecer razões humanitárias para
se deixar de aplicar a pena.
Portanto,
em casos como esse a Justiça aplica tal artigo e concede perdão judicial aos
acusados, extinguindo a punibilidade, e arquivando o processo penal depois de
algumas formalidades legais.
Considera-se
que o perdão judicial é a forma mais correta de se lidar com situações como
essas, eis que o arrependimento e a culpa desses pais que lidam com essa
dolorosa perda de um filho são muito intensos, não havendo qualquer razão, ou
efeito, repressivo ou preventivo, que possa justificar a aplicação de uma pena
criminal a esses pais.
Não se
tem notícias de qualquer distinção, em situações desse tipo, entre a resposta
judicial no caso de mães e de pais, até porque os termos da lei são bem
objetivos, não cabendo grande margem de discricionariedade para o juiz. Por
outro lado, caberia uma reflexão sobre se a sociedade patriarcal e machista na
qual vivemos não tenderia a responsabilizar moralmente muito mais a mulher do
que o homem em situações como esses, eis que se atribui a ela o papel principal
de cuidadora dos filhos, sendo o papel masculino tido como secundário pelo
senso comum.
*Luciana
Boiteux é professora adjunta de Direito
Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e
Vice-presidente do Conselho Penitenciário da cidade.
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