Íntegra da sentença
que
condenou Lindberg Alves a 98 anos
Depois de quatro dias de julgamento,
a juíza Milena Dias proferiu, a sentença do réu
Lindemberg Alves, 25. O motoboy foi condenado pela morte da ex-namorada Eloá
Pimentel, 15, e por outros 11 crimes. A jovem foi mantida refém por cerca de
cem horas em outubro de 2008 em seu apartamento, localizado em um conjunto
habitacional de Santo André (ABC paulista). Leia a íntegra:
Vistos.
Dispensado o relatório, nos termos do artigo 492, do Código de Processo
Penal.
Submetido a julgamento nesta data, o Colendo Conselho de Sentença
reconheceu que o réu LINDEMBERG ALVES
FERNANDES praticou o crime de homicídio
qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima
(vítima Eloá Cristina Pimentel da Silva), o crime de homicídio tentado
qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima (
vítima Nayara Rodrigues da Silva), o crime de homicídio qualificado
tentado ( vítima Atos Antonio Valeriano), cinco crimes de cárcere privado
e quatro crimes de disparo de arma de fogo.
Passo a dosar a pena:
O julgador deve, ao
individualizar a pena, examinar com acuidade todos os elementos que dizem
respeito ao fato e ao criminoso, obedecidos e sopesados todos os critérios
estabelecidos no artigo 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e
equilibrada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente
para a reprovação do crime.
Deve o Magistrado, atrelado a regras de majoração da pena, aumentá-la
até o montante que considerar correto, tendo em vista as circunstâncias peculiares
de cada caso, desde que o faça fundamentadamente e dentro dos parâmetros
legais.
A sociedade, atualmente, espera que o juiz se liberte do fetichismo da
pena mínima, de modo a ajustar o quantum da sanção e a sua modalidade de acordo
com a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do
agente, os motivos, as circunstâncias do crime, bem como o comportamento da
vítima.
Pois bem.
Todas as condutas incriminadas, atribuídas ao réu e reconhecidas pelo
Egrégio Conselho de Sentença incidem no mesmo juízo de reprovabilidade.
Portanto, impõe-se uma única apreciação sobre as circunstâncias judiciais
enunciadas no artigo 59 do Código Penal, evitando-se assim, repetições
desnecessárias.
As circunstâncias judiciais do artigo 59, do Código Penal, não são
totalmente favoráveis ao acusado, razão pela qual a pena base de cada
crime será fixada acima do mínimo legal.
Com efeito, a personalidade e conduta social apresentadas pelo acusado,
bem como as circunstâncias e consequências dos crimes demonstram conduta que
extrapola o dolo normal previsto nos tipos penais, diferenciando-se dos demais
casos similares, o que reclama reação severa, proporcional e seguramente
eficaz. (STF - RT 741/534).
Esta aferição encontra guarida no princípio da individualização
da pena e deve ser realizada em cada caso concreto (CF/ 88, art.5º XLVI).
Os crimes praticados atingiram o grau máximo de censurabilidade que a
violação da lei penal pode atingir.
Na hipótese vertente, as circunstâncias delineadas nos autos demonstram
que o réu agiu com frieza, premeditadamente, em razão de orgulho e egoísmo, sob
a premissa de que Eloá não poderia, por vontade própria, terminar o
relacionamento amoroso. Tal estado de espírito do agente constituiu a força que
determinou a sua ação.
E, nesse contexto, envolveu não
apenas tal vítima, mas também Nayara, Iago e Vitor, amigos que a acompanhavam
na data em que o acusado invadiu o apartamento. Durante o cárcere privado, as
vítimas, desarmadas e indefesas,permaneceram subjugadas pelo agente, sob
intensa pressão psicológica, a par de agressões físicas contra todos
perpetradas.
Durante a barbárie, o réu deu-se ao trabalho de, por
telefone, dar entrevistas a apresentadores de televisão, reforçando, assim, seu
comportamento audacioso e frieza assustadores. Lindenberg Alves Fernandes
chegou a pendurar uma camiseta de time de futebol na janela da residência
invadida.
Não posso olvidar, nesse contexto, as consequências no tocante
aos familiares das vítimas.
Durante o cárcere privado, a angústia dos familiares, mormente de Eloá
e Nayara, que por mais tempo permaneceram subjugadas pelo réu, que demonstrava
constante oscilação emocional, agressividade, atingiu patamar insuportável
diante da iminência de morte, tendo por ápice os disparos que foram a causa da
morte de Eloá e das lesões sofridas por Nayara.
E depois dos fatos, as vítimas Nayara, Victor e Yago
sofreram alterações nas atividades rotineiras, além de terem de se
submeter a tratamentos psicológicos e psiquiátricos.
Ainda, além de eliminar a vida de uma jovem de 15 anos de idadee
de quase matar Nayara e o bravo policial militar Atos Antonio Valeriano,
o réu causou enorme transtorno para a comunidade e para o próprio Estado, que
mobilizou grande aparato policial para tentar demovê-lo de sua bárbara e
cruel intenção criminosa.
Os crimes tiveram enorme repercussão social e causaram grande comoção
na população, estarrecida pelos dias de horror e pânico que o réu propiciou às
indefesas vítimas.
Em suma, a culpabilidade, a personalidade do réu, seus egoísticos e
abjetos motivos, as circunstâncias e nefastas consequências do crime impõem a
esta a Julgadora, para a correta reprovação e prevenção de outros crimes, a
fixação da pena, na primeira fase de aplicação, em seu patamar máximo cominada
para cada delito, ou seja, 30 anos de reclusão para o crime de homicídio
qualificado praticado contra Eloá; 30 anos para o crime de tentativa de
homicídio qualificado praticado contra Nayara; 30 anos para o crime de
tentativa de homicídio perpetrado contra a vítima Atos; 05 anos de reclusão
para cada crime de cárcere privado (contra Iago, Vitor, Eloá e Nayara, por duas
vezes) e de 04 anos de reclusão e pagamento de 360 (trezentos e sessenta dias
multa) para cada crime de disparo de arma de fogo (quatro vezes).
Na segunda fase, não incidem agravantes. Presente a atenuante da
confissão espontânea em relação aos crimes de disparo de arma de fogo
descritos nas nona e décima séries e cárcere privado da vítima Eloá,
reduzo as reprimendas em 1/6, o que perfaz 04 (quatro) anos e 02 (dois)
meses para o crime de cárcere privado e 03 anos e 04 (quatro) meses de
reclusão e 300 dias multa, para cada um dos crimes de disparo de arma de fogo.
Não incidem causas de aumento de pena.
Reconhecida a tentativa de homicídio contra Nayara, reduzo a pena no
patamar mínimo de 1/3, tendo em vista o laudo pericial juntado a fls. 678/679 e
necessidade de futura intervenção cirúrgica para reconstrução dos ossos da
face, concretizando-a em 20 (vinte) anos de reclusão.
Em relação à tentativa de homicídio contra o policial militar Atos,
aplico a redução máxima de 2/3, uma vez que a vítima não sofreu lesão corporal,
o que perfaz 10 ( dez) anos de reclusão.
Os crimes foram praticados nos moldes do artigo 69, do Código Penal.
Constatado que o réu agiu com desígnios autônomos,
almejando dolosamente a produção de todos os resultados, voltados
individual e autonomamente contra cada vítima, afasta-se
qualquer das figuras aglutinadoras das penas (artigos 70 e 71 do
Código Penal) e reconhecendo-se o concurso material de crimes, previsto no
artigo 69, do Código Penal.
Somadas, as penas totalizam 98 anos e 10 meses de reclusão e
pagamento de 1320 dias – multa, o unitário no mínimo legal.
Para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade, fixo o
regime inicialmente fechado. Incidem os artigos 33, §2º, “a”, do
Código Penal, artigos 1º, inciso I, e 2º, §1º, ambos da Lei nº 8.072/90,
em relação aos crimes dolosos contra a vida.
É, ademais, o único adequado à consecução das finalidades da sanção
penal, consideradas as circunstâncias em que os crimes foram praticados, que
bem demonstraram ousadia, periculosidade do agente e personalidade inteiramente
avessa aos preceitos que presidem a convivência social, bem como as
consequências de suas condutas.
As ações, nos moldes em que reconhecidas pelo Conselho de Sentença,
denotam personalidade agressiva, menosprezo pela integridade corporal,
psicológica e pela própria vida das vítimas, o que exige pronta resposta penal.
Como fundamentado na primeira etapa da dosimetria da pena, as circunstâncias
judiciais são totalmente desfavoráveis ao réu (§3º do artigo 33, do Código
Penal).
E por tais razões não é possível a substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direito ou a concessão de sursis, diante do quantum
fixado e da ausência dos requisitos subjetivos previstos nos incisos III, do
art. 44 e II, do art. 77, ambos do Código Penal.
Saliento, ainda, a vedação prevista no artigo 69, parágrafo primeiro,
do Código Penal, bem como que as benesses implicariam incentivo à reiteração
das condutas e impunidade.
Em face da decisão resultante da vontade soberana dos Senhores
Jurados, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, para
condenar LINDEMBERG ALVES FERNANDES, qualificado nos autos, como incurso
nas sanções do artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV (vítima Eloá), artigo
121, parágrafo 2º, incisos I e IV, c.c. artigo 14, inciso II (vítima Nayara),
artigo 121, parágrafo 2º, inciso V, c.c. artigo 14, inciso II, (vítima Atos),
artigo 148, parágrafo 1º, inciso IV, por cinco vezes, (vítimas Eloá, Victor,
Iago e Nayara, esta por duas vezes), todos do Código Penal, e artigo 15,
caput, da Lei nº 10.826/03, por quatro vezes, à pena de 98 (anos) e 10
(meses) de reclusão e pagamento de 1320 dias-multa, no valor unitário mínimo
legal.
O réu foi preso em flagrante encontrando-se detido até então. Nenhum
sentido faria, pois, que após a condenação, viesse a ser solto, sobretudo
quando os motivos que ensejaram o decreto da custódia cautelar (CPP,
art.312), foram ainda mais reforçados pelo Tribunal do Júri, cuja decisão é
soberana.
Denego a ele, assim, o direito de apelar em liberdade.
Recomende-se o réu na prisão em que se encontra recolhido.
Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol de culpados.
No mais, tendo em vista a exibição em sessão plenária de colete à prova
de balas, fato consignado em ata, artefato sujeito à regulamentação
legal e específica e em não sendo exibida documentação relativa a tal
instrumento, remeta-se cópia da ata da sessão plenária ao
Ministério Público para ciência quanto ao ocorrido.
Ainda, também durante os debates, na presença de todas as partes
e do público, a Defensora do réu Dra. Ana Lúcia Assad, de forma jocosa,
irônica e desrespeitosa, aconselhou um membro do Poder Judiciário a “
voltar a estudar”, fato exaustivamente divulgado pelos meios de
comunicação.
Nestes termos, considerando a prática, em tese, de crime contra a
honra e o disposto no parágrafo único do artigo
145, do Código Penal, determino a extração de cópia da presente decisão e
remessa ao Ministério Público local, para providências eventualmente cabíveis à
espécie.
Decisão publicada hoje, neste Plenário do Tribunal do Júri desta
cidade, às 19: 52 horas, saindo os presentes intimados.
Custas na forma da lei.
Registre-se, cumpra-se e comunique-se.
Santo André, 16 de fevereiro de 2012.
MILENA
DIAS
Juíza de Direito
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