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sábado, 12 de agosto de 2017

Os Drs Eudes Quintino e Pedro Bellentani levantaram a questão. O que você acha?


O advogado agiu em legítima defesa própria?
Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Pedro Bellentani Quintino de Oliveira
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·         sexta-feira, 28/6/2013
Um fato até corriqueiro ocorrido na cidade de São Paulo despertou a atenção dos profissionais do Direito que militam na área criminal. Um adolescente, fazendo uso de arma, abordou um advogado que ocupava um veículo, no cruzamento de uma avenida com sinalização semafórica. Dele subtraiu para si pertences no valor de R$20.000,00. Finda a operação, o menor, já em fuga passou pela frente do veículo da vítima que, aproveitando-se do sinal indicativo verde, acelerou-o, atropelou o roubador e recuperou seus pertences.
À primeira vista, numa análise dogmática do Código Penal, é de se concluir que o advogado não agiu acobertado pela excludente da legítima defesa própria. Trata-se de crime de roubo próprio qualificado pelo emprego de uma pistola que, posteriormente, descobriu-se que se tratava de arma de brinquedo, mas que foi suficiente para a intimidação. Pelo entendimento majoritário da doutrina e com o suporte jurisprudencial, referido delito se consuma no instante em que o roubador se torna proprietário da coisa móvel alheia, mediante grave ameaça ou violência. Tanto é que se a res futiva, mesmo imediatamente após a prática do ilícito for recuperada pela vítima ou terceira pessoa, não há que se falar em tentativa e sim na modalidade consumada, pela realização integral do tipo penal.
Assim, seguindo rigorosamente a linha delineada pelo Direito Penal, a legítima defesa deve atender os requisitos da utilização moderada dos meios para repelir agressão injusta, atual ou iminente, na defesa de direito próprio ou de outrem. No caso sub studio, o ciclo consumativo do delito já tinha sido finalizado e a agressão perpetrada foge do permissivo legal. O autor do fato passa a ser o possuidor da res furtiva, mesmo que por pouco tempo e, qualquer ação que venha turbar sua posse não pode ser interpretada como legítima defesa, em razão da ausência da atualidade da agressão, vez que já é considerada finda, com a decretação da consumação. É até uma incoerência, uma contradictio in adjecto. Assim, ad argumentandum, se a vítima, logo após ter sido despojada de seus bens, consegue atingir o autor da infração, ferindo-o, comete ação autônoma, independente do fato anterior. E o roubador, por sua vez, vendo se agredido, poderá levantar a bandeira da legítima defesa, vez que presentes seus requisitos, além de esboçar reação que culmine até mesmo com a morte da vítima-agressora. Concluindo, responderá somente pelo crime de roubo e se beneficiará do evento morte que foi anistiado pela defesa própria.
É inquestionável que a reação tardia do motorista desnatura a legítima defesa. Mas, qualquer pessoa com a consciência do homo medius, vendo o roubador passar à sua frente com seus pertences, não tem o senso crítico de analisar se se encontra ainda no âmbito da justa repulsa defensiva. É ato instantâneo, motivado pela intenção de recuperar os bens roubados. Pode-se interpretar que os bens ainda não saíram de sua esfera de vigilância e proteção. Tanto é que a conduta do atropelamento não foi censurada pelas pessoas que se encontravam no local. Pelo contrário, de forma espontânea, continuaram a agressão perpetrada contra o roubador. E tais estas agressões também fogem da esfera defensiva e os responsáveis devem responder pelos seus atos, sem invocar a excludente da legítima defesa de terceiro.
O tempo delimitado para repelir a agressão injusta é assaz escasso e necessita de uma interpretação que possa alongá-lo para um período que ultrapasse a imediatidade do ataque e não se prolongue por tempo que seja considerado simples revide. Sem falar ainda que, em situação de ameaça com arma de fogo, coloca a vítima desarmada à mercê do assaltante, o que garante ao roubador sucesso em sua empreitada. Até mesmo os órgãos de segurança recomendam a entrega imediata dos bens, sem qualquer reação. Nem com este apelo os roubadores poupam suas vítimas, conforme notícias repetitivas da mídia.
Observar o olhar rigorosamente fixo na ratio inerte da lei é desprezar a função construtora e eminentemente social do Direito. Já diziam os romanos que summum jus, summa injuria (do excesso de direito resulta a suprema injustiça) é contraproducente e impossibilita a busca de uma solução mais benéfica e condizente com a proteção compatível do bem geral que é ambicionada por todos. Daí recomenda-se a aplicação da equidade, como sendo uma auxiliar da Hermenêutica para mitigar o texto legal, dando a ele uma flexibilidade maior para encontrar o justo adequadamente social, diferente e mais justo do que o legal
"O direito, adverte Lloyd, embora profundamente enraizado no complexo social e sua ideologia, desenvolve certos postulados fundamentais próprios, os quais tendem a fixar padrão ou quadro de referência, dentro do qual o direito se desenvolve".
Assim, no caso ora discutido, seria aconselhável a interpretação que amplie o restrito momento da agressão atual. Tal hipótese já foi concebida na prisão em flagrante delito que, excepcionalmente, fugindo das hipóteses previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal, elegeu outra, que é o flagrante postergado, prorrogado ou diferido. Por tal recurso, os agentes policiais retardam a prática de um ato que comportaria prisão flagrancial, para aguardar o momento mais oportuno para a realização de uma prova que arrecade provas mais robustas e consistentes.
Desta forma, algo deve ser encontrado para justificar o tratamento distinto daquele estabelecido em lei, em razão da peculiaridade do caso, levando-se em consideração que a sociedade considera e aprova como justa a conduta que, aparentemente, vem recriminada pela norma. Do contrário, a vítima será injustamente denunciada.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado;Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é advogado.


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