O advogado agiu em legítima defesa própria?
Eudes Quintino de Oliveira Júnior e
Pedro Bellentani Quintino de Oliveira
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sexta-feira, 28/6/2013
Um fato até corriqueiro ocorrido na cidade de São Paulo despertou a
atenção dos profissionais do Direito que militam na área criminal. Um
adolescente, fazendo uso de arma, abordou um advogado que ocupava um veículo,
no cruzamento de uma avenida com sinalização semafórica. Dele subtraiu para si
pertences no valor de R$20.000,00. Finda a operação, o menor, já em fuga passou
pela frente do veículo da vítima que, aproveitando-se do sinal indicativo
verde, acelerou-o, atropelou o roubador e recuperou seus pertences.
À primeira vista,
numa análise dogmática do Código
Penal, é de se concluir que o advogado não agiu acobertado pela
excludente da legítima defesa própria. Trata-se de crime de roubo próprio
qualificado pelo emprego de uma pistola que, posteriormente, descobriu-se que
se tratava de arma de brinquedo, mas que foi suficiente para a intimidação.
Pelo entendimento majoritário da doutrina e com o suporte jurisprudencial,
referido delito se consuma no instante em que o roubador se torna proprietário da
coisa móvel alheia, mediante grave ameaça ou violência. Tanto é que se a res
futiva, mesmo imediatamente após a prática do ilícito for recuperada pela
vítima ou terceira pessoa, não há que se falar em tentativa e sim na modalidade
consumada, pela realização integral do tipo penal.
Assim, seguindo rigorosamente a linha delineada
pelo Direito Penal, a legítima defesa deve atender os requisitos da utilização
moderada dos meios para repelir agressão injusta, atual ou iminente, na defesa
de direito próprio ou de outrem. No caso sub studio, o ciclo consumativo do
delito já tinha sido finalizado e a agressão perpetrada foge do permissivo
legal. O autor do fato passa a ser o possuidor da res furtiva, mesmo que por
pouco tempo e, qualquer ação que venha turbar sua posse não pode ser
interpretada como legítima defesa, em razão da ausência da atualidade da
agressão, vez que já é considerada finda, com a decretação da consumação. É até
uma incoerência, uma contradictio in adjecto. Assim, ad argumentandum, se a
vítima, logo após ter sido despojada de seus bens, consegue atingir o autor da
infração, ferindo-o, comete ação autônoma, independente do fato anterior. E o
roubador, por sua vez, vendo se agredido, poderá levantar a bandeira da
legítima defesa, vez que presentes seus requisitos, além de esboçar reação que
culmine até mesmo com a morte da vítima-agressora. Concluindo, responderá
somente pelo crime de roubo e se beneficiará do evento morte que foi anistiado
pela defesa própria.
É inquestionável que a reação tardia do motorista
desnatura a legítima defesa. Mas, qualquer pessoa com a consciência do homo
medius, vendo o roubador passar à sua frente com seus pertences, não tem o
senso crítico de analisar se se encontra ainda no âmbito da justa repulsa
defensiva. É ato instantâneo, motivado pela intenção de recuperar os bens
roubados. Pode-se interpretar que os bens ainda não saíram de sua esfera de
vigilância e proteção. Tanto é que a conduta do atropelamento não foi censurada
pelas pessoas que se encontravam no local. Pelo contrário, de forma espontânea,
continuaram a agressão perpetrada contra o roubador. E tais estas agressões
também fogem da esfera defensiva e os responsáveis devem responder pelos seus
atos, sem invocar a excludente da legítima defesa de terceiro.
O tempo delimitado para repelir a agressão injusta
é assaz escasso e necessita de uma interpretação que possa alongá-lo para um
período que ultrapasse a imediatidade do ataque e não se prolongue por tempo
que seja considerado simples revide. Sem falar ainda que, em situação de ameaça
com arma de fogo, coloca a vítima desarmada à mercê do assaltante, o que
garante ao roubador sucesso em sua empreitada. Até mesmo os órgãos de segurança
recomendam a entrega imediata dos bens, sem qualquer reação. Nem com este apelo
os roubadores poupam suas vítimas, conforme notícias repetitivas da mídia.
Observar o olhar rigorosamente fixo na ratio inerte
da lei é desprezar a função construtora e eminentemente social do Direito. Já
diziam os romanos que summum jus, summa injuria (do excesso de direito resulta
a suprema injustiça) é contraproducente e impossibilita a busca de uma solução
mais benéfica e condizente com a proteção compatível do bem geral que é
ambicionada por todos. Daí recomenda-se a aplicação da equidade, como sendo uma
auxiliar da Hermenêutica para mitigar o texto legal, dando a ele uma
flexibilidade maior para encontrar o justo adequadamente social, diferente e
mais justo do que o legal
"O direito, adverte Lloyd, embora
profundamente enraizado no complexo social e sua ideologia, desenvolve certos
postulados fundamentais próprios, os quais tendem a fixar padrão ou quadro de
referência, dentro do qual o direito se desenvolve".
Assim, no caso ora
discutido, seria aconselhável a interpretação que amplie o restrito momento da
agressão atual. Tal hipótese já foi concebida na prisão em flagrante delito
que, excepcionalmente, fugindo das hipóteses previstas no artigo 302 do Código
de Processo Penal, elegeu outra, que é o flagrante postergado,
prorrogado ou diferido. Por tal recurso, os agentes policiais retardam a
prática de um ato que comportaria prisão flagrancial, para aguardar o momento
mais oportuno para a realização de uma prova que arrecade provas mais robustas
e consistentes.
Desta forma, algo deve ser encontrado para
justificar o tratamento distinto daquele estabelecido em lei, em razão da
peculiaridade do caso, levando-se em consideração que a sociedade considera e
aprova como justa a conduta que, aparentemente, vem recriminada pela norma. Do
contrário, a vítima será injustamente denunciada.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é
promotor de Justiça aposentado e advogado;Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é
advogado.
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