Participação no aborto
Analisemos uma situação hipotética: um casal de namorados
descobre que a menina está grávida e, de pronto, o namorado
fornece dinheiro para que a menina possa efetuar o abortamento. Os
dois namorados serão autuados por crime de abortamento segundo os artigos 124 e
126 do Código Penal Brasileiro, respectivamente? Vejamos:
O artigo 124 tipifica a conduta do auto-aborto, ou seja, a própria gestante está legalmente proibida de provocar o abortamento, sendo este, então, um crime de mão-própria, por ter como agente ativo apenas a gestante. E, ainda, o mesmo artigo tipifica a conduta de consentir para que outra pessoa opere o procedimento abortivo, estando este terceiro enquadrado no artigo 126 também do Código Penal Pátrio.
O artigo 126 desta legislação apresenta como crime a
provocação do aborto com o consentimento da gestante; ou seja, quando um
terceiro pratica o abortamento na gestante. A partir daí é notada, então, uma
exceção à teoria unitária do concurso de pessoas e a gestante respondera pelo
crime supra aludido do artigo 124, no que tange ao consentimento da gestante a
pratica do crime, e o terceiro, que praticou o abortamento, respondera pelo
artigo 126, sendo responsável pela prática efetiva do tipo penal.
Ainda, para melhor entendermos a situação mencionada no
começo da postagem, é cabível a explanação do artigo 29 do Código Penal
Nacional, no qual é relatado que qualquer pessoa que, de qualquer modo,
concorra para um crime, incidirá nas penas àquele cominadas, na medida de sua culpabilidade.
Para que ocorra o concurso de pessoas faz-se necessária a existência de cinco
requisitos, quais sejam: a pluralidade de agentes culpáveis, a relevância
causal das condutas para a produção do resultado, o vínculo subjetivo, a
unidade de infração penal para todos os agentes e a existência de fato punível.
Ainda sobre o artigo 29, é possível distinguir mais de um
tipo de modalidade de concurso de pessoas; tendo em vista o caso que estamos
analisando, trataremos apenas da modalidade participação, por ser esta a única
que trás pertinência ao estudado aqui. Partícipe, então, é aquela pessoa que,
segundo o Professor Cleber Masson, “(...) não realiza diretamente o núcleo do
tipo penal, mas de qualquer modo concorre para o crime.” Para que haja participação é
necessária, também, a presença de dois requisitos, quais sejam: o propósito de
colaborar para a conduta do autor principal e a colaboração efetiva por meio de
um comportamento acessório. Entre os vários tipos de participação, destacamos
aqui o auxílio que caracteriza a participação material, este ocorre quando o
partícipe viabiliza materialmente a execução da infração penal, sem realizar,
ele mesmo, a conduta descrita no núcleo do tipo; este partícipe é chamado de cúmplice.
Assim, voltando ao caso do casal de namorados, não seria
correto afirmar que o menino responderia pelo crime do artigo 126, uma vez que
este não praticou o núcleo do verbo ali tipificado, que é provocar o aborto; ao
mesmo tempo em que não seria correto autuar a menina pelo crime do artigo 124
em sua primeira parte, que afirma que a gestante pratica, ela mesma, o aborto.
Portanto, temos, nesta situação, o tipo penal do artigo 124,
segunda parte (que trata do consentimento da gestante), para ambos os autores,
em suas devidas proporções, pois estão presentes todos os requisitos do
concurso de pessoas, já que existem dois agentes ativos
culpáveis, a importância das condutas dos dois agentes para a produção do
resultado, o vínculo subjetivo entre os agentes, a unidade de infração penal para
os dois agentes e a existência concreta do fato punível.
A menina consentiu com o abortamento, enquadrando-se no tipo
penal do artigo 124. O menino, por sua vez, participou no crime praticado pela
garota, visto que tinha o propósito de colaborar com a conduta da autora
principal e que sem a sua colaboração o fato típico não teria ocorrido; ele forneceu
o dinheiro necessário para que a garota pudesse efetuar a conduta que já
cogitava, auxiliando, portanto, a garota, e viabilizando a consumação do tipo abortamento,
sendo assim, o cúmplice da garota.
Por fim, é imperioso destacar, ainda, que a pessoa que
provocou o abortamento e praticou o núcleo central do tipo, pessoa essa que
pode ter sido de um médico, curandeiro ou qualquer outro indivíduo, seria, neste
caso, autuado pelo crime do artigo 126.
FONTES:
1. MASSON, Cleber. Código
penal comentado. 2. ed. São Paulo: Método, 2014.
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