Análise da sentença da Corte
Interamericana:
caso Ximenes Lopes versus Brasil
Breve resumo do caso:
O senhor Damião Ximenes Lopes, portador de deficiência mental, sofreu condições degradantes e desumanas em sua hospitalização e morreu enquanto estava submetido à tratamento psiquiátrico. No dia 1ª de outubro de 1999 ele foi internado pela sua mãe na Casa de Repouso Guararapes como paciente do Sistema Único de Saúde, em perfeito estado físico. No dia 4 de outubro de 1999, a mãe do senhor Damião foi visitá-lo e o encontrou sangrando, com hematomas, com a roupa rasgada, sujo e cheirando a excrementos, com as mãos amarradas para trás, com dificuldade para respirar, agonizante e gritando e pedindo socorro à polícia.
Após a procura da mãe por um médico que
atendesse o seu filho, o médico e diretor clínico do hospital, Francisco Ivo de
Vasconcelos, receitou a Damião alguns remédios e em seguida se retirou do
hospital. Aproximadamente duas horas após a sua medicação, o senhor Damião
morre sem ser assistido por médico algum. O mesmo médico examinou o corpo da
suposta vítima, declarou a sua morte, fez constar que o cadáver não apresentava
lesões externas e que a causa da morte havia sido uma parada
cardio-respiratória, mas não fundamentou seu diagnóstico de morte por parada
cardiorrespiratória.
O
médico não ordenou a realização da necropsia no corpo do senhor Damião Ximenes
Lopes.No mesmo dia, trasladaram o corpo de Damião para o Instituto Médico Legal
Dr. Walter Porto, onde a necropsia foi feita pelo mesmo médico da Casa de
Repouso que concluiu por “morte real de causa indeterminada”.
A
necropsia realizada pelo Instituto Médico Legal indicava que o corpo
apresentava equimoses, escoriações e hematomas, as quais são lesões sugestivas
de traumatismo no corpo, e que foram posteriormente, esclarecidas como causadas
por objetos contundentes.Na exumação pôde perceber que o cérebro do cadáver
tinha sido aberto como tradicionalmente se faz em toda necropsia, embora não
constasse a descrição do cérebro na primeira necropsia realizada em 1999. O
protocolo da necropsia realizada ao senhor Damião Ximenes Lopes em 4 de outubro
de 1999 não cumpriu as diretrizes internacionais reconhecidas para as
investigações forenses, já que não apresentou, entre outros elementos, uma
descrição completa das lesões externas e do instrumento que as teria provocado,
da abertura e descrição das três cavidades corporais (cabeça, tórax e abdômen),
referindo-se na conclusão à “causa indeterminada” da morte e, por conseguinte,
tampouco mencionou o instrumento que as teria provocado.
Para
enfrentar essa grave situação, a família de Damião ajuizou ação criminal e ação
civil indenizatória contra o proprietário da clínica psiquiátrica, e também
peticionou contra o Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH), através da irmã de Damião, Irene Ximenes Lopes.
O
direito da família da vítima de saber a verdade e de ver punidos os
responsáveis pela sua morte sofria com o descaso do Estado, cuja atuação
ineficaz levava a um caminho bastante conhecido por muitos: o da impunidade. De
fato, mesmo existindo inquérito para apuração dos fatos, não há como imputar
eficácia a uma investigação tão negligente, que, além de tardia, desconsiderou
elementos imprescindíveis ao deslinde do caso.
Ademais,
quanto à fase processual, impende destacar que a ação penal ajuizada para
penalizar os responsáveis pela morte de Damião Ximenes Lopes enfrentava um
problema crônico no Judiciário brasileiro: a morosidade. Em março de 2000,
foram denunciados o proprietário da Casa de Repouso Guararapes, o auxiliar de
enfermeiro, o auxiliar de pátio e a enfermeira do local. A denúncia foi aditada
em junho de 2004, sendo agora denunciados o diretor-clínico e outro auxiliar de
enfermagem. Em novembro de 2005, seis anos após o crime, ainda seriam ouvidas
as testemunhas de defesa dos novos réus, demonstrando que o Estado sequer tinha
se manifestado, em primeiro grau, sobre a responsabilidade dos acusados.
O
procedimento penal teve início em 27 de março de 2000 com a interposição da
denúncia pelo Ministério Público e até a data da emissão desta Sentença ainda
não foi proferida sentença em primeira instância. Em 6 de julho de 2000,
Albertina Viana Lopes promoveu ação de indenização perante a Quinta Vara Cível
por danos morais contra a Casa de Repouso Guararapes, Sérgio Antunes Ferreira
Gomes e Francisco Ivo de Vasconcelos, em decorrência da “dor, tristeza,
sofrimento e humilhação que [...] passou e passará pelo resto de sua vida” pela
morte de seu filho Damião Ximenes Lopes. Em 15 de outubro de 2004, a Quinta
Vara Cível solicitou à Terceira Vara da Comarca de Sobral que informasse se
havia sido proferida sentença no caso do senhor Damião Ximenes Lopes e, se
fosse o caso, que remetesse cópia da decisão.
Em
21 de outubro de 2004, a Terceira Vara de Sobral informou que em 24 de setembro
desse mesmo ano havia sido aditada a denúncia, nela incluindo Elias Gomes
Coimbra e Francisco Ivo de Vasconcelos, a quem se havia interrogado em 19 de
outubro de 2004, e que, com relação aos demais acusados, o processo se
encontrava concluso para decisão com respeito ao pedido de um dos advogados de defesa
sobre a suspensão do prazo para a apresentação de alegações finais. No que diz
respeito às investigações sobre os responsáveis pelo assassinato de Damião,
apenas no ano de 2009, o proprietário da clínica psiquiátrica Casa de Repouso
Guararapes e seis profissionais de saúde que ali trabalhavam foram condenados a
uma pena de seis anos de reclusão em regime semiaberto.
Apenas
em 2010, em uma ação cível de danos morais ajuizada pela família Ximenes Lopes,
o Tribunal de Justiça do Ceará confirmou a sentença de primeira instância que
condenou o proprietário da clínica psiquiátrica e também o diretor clínico e o
diretor administrativo a pagar uma indenização no valor de R$ 150 mil à mãe de
Damião. A família teve que esperar dez anos pelas sentenças criminal e cível em
primeira instância. Justamente pela morosidade quanto a investigação e
resolução do caso, uma organização não-governamental brasileira que realiza
ações para denunciar violações de direitos humanos, chamada Justiça Global,
entrou no caso como copeticionária.
Após petição dos familiares e da Justiça
Global à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (sede em Washington), foi
aberto procedimento contra o Brasil na comissão e seu informe conclusivo (1º
Informe) não foi cumprido pelo Estado. Sendo assim, a comissão processou o
Estado brasileiro perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O que levou a comissão a enviar o caso à Corte:
O fato do Estado não ter cumprido as três recomendações da Comissão (mesmo após a Comissão ter concedido prorrogações para o implemento das recomendações):
* A Comissão solicitou que o Estado informasse sobre qualquer elemento de juízo que permitisse à Comissão verificar se, no caso, foram ou não esgotados os recursos da jurisdição interna, num prazo de 90 dias. O Estado não respondeu à Comissão mesmo após cento e dezesseis dias (num período ordinário) desde a estipulação do prazo. Foi-se então aprovado o Relatório de Admissibilidade nº 38/02 e encaminhado à peticionária e ao Estado em 25 de outubro de 2002, e em seguida aprovado.
* Comissão Interamericana encaminhou o Relatório de Mérito nº 43/03 ao Estado e fixou o prazo de dois meses para que informasse sobre as medidas adotadas com vistas ao cumprimento das recomendações nele formuladas (o Estado não cumpriu a recomendação no prazo estabelecido). Nesse mesmo dia a Comissão deu ciência aos peticionários da aprovação do relatório e seu encaminhamento ao Estado e solicitou-lhes que informassem sua posição quanto a que fosse o caso submetido à Corte Interamericana.
* Apresentação de um relatório parcial sobre a implementação das recomendações da Comissão doze dias depois de vencido o prazo concedido (após a prorrogação concedida pela Comissão). O Estado apresentou outra comunicação de que constava a contestação ao Relatório de Mérito expedido pela Comissão.
Os direitos violados (Pacto de São José da Costa Rica):
Violação dos direitos à vida e à integridade pessoal consagrados nos artigos 4.1 e 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, nos termos dos parágrafos 61 a 81, 119 a 150 e 155 a 163 da presente Sentença. O Estado violou também os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial consagrados nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, nos termos dos parágrafos 170 a 206 da presente Sentença.
Os procedimentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso:
Apenas a Comissão submeteu o caso à Corte (art. 61, Convenção), citando então o Estado a responder pelo julgamento. Estabeleceu-se um prazo para o Estado apresentar exceções preliminares, bem como seu exame pelo presidente da Corte.
A
Corte convocou audiência com a comissão, os representantes da suposta vítima e
seus familiares, e o Estado, continuando o processo. Os representantes
salientaram que o Estado não cumprira as obrigações relativas à garantia dos
direitos tutelados nos artigos 4 (Direito à vida) e 5 (Direito à integridade e
pessoal), com relação ao artigo 1.1 (Obrigação de respeitar os direitos) do mesmo
instrumento, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes. Salientaram também
que o Estado havia violado os direitos consagrados nos artigos 8 (Garantias
judiciais) e 25 (Proteção judicial) da Convenção e a obrigação disposta no
artigo 1.1 (Obrigação de respeitar os direitos) desse tratado, em detrimento do
senhor Damião Ximenes Lopes e seus familiares. Solicitaram ademais à Corte que
ordenasse o pagamento de danos materiais e imateriais, que ordenasse medidas de
não- repetição e o reembolso das custas e gastos.
Em 8 de março de 2005, o Estado apresentou o
escrito mediante o qual interpôs uma exceção preliminar, a contestação da
demanda e suas observações sobre o escrito de solicitações e argumentos
(doravante denominado “escrito de contestação da demanda”), ao qual anexou
prova documental e ofereceu prova testemunhal e pericial. O Presidente expediu
uma resolução mediante a qual solicitou que uma testemunha pelos
representantes, as testemunhas pelo Estado, oferecessem seu depoimento mediante
declarações prestadas perante notário público. Requereu também que os peritos
pela Comissão e o perito pelos representantes, apresentassem seus pareceres por
meio de declarações prestadas perante notário público.
O
Presidente concedeu às partes prazo para a apresentação de todas as declarações
prestadas perante notário público. Na referida Resolução, ademais, o Presidente
convocou a Comissão, os representantes e o Estado para uma audiência pública
que se realizaria na sede da Corte Interamericana a partir de 30 de novembro de
2005, para ouvir suas alegações finais orais sobre a exceção preliminar e
eventuais mérito, reparações e custas, bem como os depoimentos da senhora Irene
Ximenes Lopes Miranda e do senhor Francisco das Chagas Melo, propostos pela
Comissão, do senhor João Alfredo Teles, proposto pelos representantes, e dos
senhores Luiz Odorico Monteiro de Andrade e Emílio de Medeiros Viana, propostos
pelo Estado, bem como o laudo da perita Lídia Dias Costa, proposta pelos
representantes. A Corte informou às partes que dispunham de um prazo
improrrogável até 9 de janeiro de 2006 para apresentar suas alegações finais
escritas com relação à exceção preliminar e eventuais mérito, reparações e
custas.
Nesse
intervalo de tempo, houve, entre o Estado e a Comissão, alterações de
testemunhas, depoimentos, Agentes, desistência de apresentação de laudos,
desistência de declarações. Em 9 de novembro de 2005 os representantes
apresentaram suas observações sobre as declarações das testemunhas e os laudos
dos peritos enviados pela Comissão e pelo Estado. Em 24 de novembro de 2005, a
Corte emitiu uma Resolução, mediante a qual convocou uma nova testemunha,
proposta pelo Estado, para que comparecesse à audiência pública marcada para 30
de novembro de 2005. Em 29 de novembro de 2005, a Corte emitiu uma Resolução,
mediante a qual resolveu determinar que seu Presidente, seu Vice-Presidente, e
quatro determinados juízes comparecessem à audiência pública convocada no caso.
Nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro de 2005, foi celebrada a audiência
pública, que dividiu-se em duas partes: na primeira parte o Estado, a Comissão
e os representantes se referiram à exceção preliminar interposta pelo Estado.
Nesse mesmo dia a Corte proferiu Sentença sobre a exceção preliminar, na qual
resolveu desestimar a exceção preliminar de não-esgotamento dos recursos
internos interposta pelo Estado e continuar com a celebração da audiência
pública convocada mediante Resolução da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, de 22 de setembro de 2005, assim como [com] os demais atos processuais
relativos ao mérito e eventuais reparações e custas no presente caso.
A Sentença sobre a Exceção Preliminar foi
notificada às partes e passou-se à realização da segunda parte da audiência
pública. O Estado manifestou inicialmente seu reconhecimento de
responsabilidade internacional pela violação dos artigos 4 e 5 da Convenção
Americana neste caso. A esse respeito, tanto a Comissão quanto os
representantes se referiram ao reconhecimento do Estado. A Corte decidiu em
seguida dar continuidade à audiência pública, a fim de ouvir os depoimentos e
laudos periciais das pessoas que haviam sido convocadas a comparecer perante o
Tribunal e as alegações finais relacionadas com o mérito e as eventuais
reparações e custas, levando em conta o reconhecimento de responsabilidade
declarado pelo Estado. Em 23 de dezembro de 2005, a Comissão apresentou suas
alegações finais escritas. Em 4 de janeiro de 2006, a Comissão enviou os anexos
dessas alegações e salientou que se referiam a documentos preparados
posteriormente à apresentação da demanda e que, por conseguinte, constituíam
prova superveniente, em conformidade com o artigo 44.3 do Regulamento. Em 9 de janeiro de 2006, os representantes e
o Estado enviaram suas alegações finais escritas. Em 13 de junho de 2006, a Secretaria
solicitou à Comissão, aos representantes e ao Estado, obedecendo a instruções
do Presidente, de acordo com o artigo 45 do Regulamento, diversos documentos
como prova para melhor resolver. Em 22 e 26 de junho de 2006, a Comissão e os
representantes, respectivamente, remeteram parte da prova para melhor resolver.
Em 26 e 28 de junho de 2006, o Estado apresentou parte da prova para melhor
resolver. A corte decide, por unanimidade, admitir o reconhecimento parcial de
responsabilidade internacional efetuado pelo Estado pela violação dos direitos
à vida e à integridade pessoal consagrados nos artigos 4.1 e 5.1 e 5.2 da
Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir
os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, em detrimento do senhor
Damião Ximenes Lopes, nos termos dos parágrafos 61 a 81 da presente Sentença e
cita as recomendações ao Estado (presentes na questão 8).
Argumentos das exceções preliminares:
O Estado brasileiro, em resposta à notificação feita pela Corte Interamericana, encaminhou uma exceção preliminar ao caso, alegando que ainda não haviam se esgotado as vias internas de recurso.
Entretanto,
artigo 46.1 da Convenção estabelece que, na determinação da admissibilidade de
uma petição ou comunicação apresentada perante a Comissão nos termos dos
artigos 44 ou 45 da Convenção, devem ter sido interpostos e esgotados recursos
da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional
geralmente reconhecidos.
Isto
significa que os recursos não devem apenas existir formalmente, mas também devem
ser adequados e eficazes, como mostrado pelas exceções referidas no artigo 46.2
da Convenção. Os representantes
ressaltaram que a exceção interposta pelo Estado era absolutamente extemporânea
e dela não devia conhecer a Corte. Por sua vez, a Comissão destacou que “não
existe razão alguma para reabrir a questão da admissibilidade e [que a Corte]
rejeite expressamente a exceção interposta pelo Estado; ou alternativamente,
que a decisão sobre a admissibilidade emitida pela Comissão neste caso é
conforme com as normas convencionais pertinentes e, por conseguinte, não é
admissível a exceção reivindicada pelo Estado. Depois
de ler todas as razões apresentadas (da solicitante e do Brasil) relacionadas à
exceção preliminar, a Corte convocou uma audiência para o mês de novembro de
2005.
Em
sua argumentação oral durante aquela oportunidade, o Estado brasileiro
reconheceu sua responsabilidade parcial frente às denúncias feitas,
especialmente no que se refere aos artigos 4 e 5 (direito à vida e integridade
pessoal) da Convenção Americana, se mostrando de acordo com as precárias
condições de tratamento que resultaram na morte de Damião Ximenes. No entanto,
o Estado brasileiro não identificou a violação dos artigos 8 e 25 da mesma.
Convenção. Todavia, a Corte não aceitou a exceção preliminar apresentada pelo
Brasil, compreendendo que tal justificativa era extemporânea, cabendo somente
tal argumentação na etapa de admissibilidade do caso ante à CIDH.
Desse
modo, considerando a improcedência de tal alegação, a Corte decidiu seguir com
o julgamento do caso, desestimando a exceção preliminar de não-esgotamento dos
recursos internos interposta pelo Estado e continuando com a celebração da
audiência pública convocada mediante Resolução da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, de 22 de setembro de 2005, assim como [com] os demais atos
processuais relativos ao mérito e eventuais reparações e custas no presente
caso. Desse modo, foram encaminhadas as alegações finais das partes envolvidas
e também da própria CIDH.
Houve AmicusCuriae?
Considerando que o AmicusCuriae intervém assistencialmente em processos de controle de constitucionalidade (tendo representatividade adequada) para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional, que não é parte dos processos e que atua apenas como interessado na causa, pode-se concluir que na sentença não o houve, até porque nem houve citação do mesmo na sentença.
Houve AmicusCuriae?
Considerando que o AmicusCuriae intervém assistencialmente em processos de controle de constitucionalidade (tendo representatividade adequada) para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional, que não é parte dos processos e que atua apenas como interessado na causa, pode-se concluir que na sentença não o houve, até porque nem houve citação do mesmo na sentença.
Jurisprudências apresentadas na sentença:
O Massacre de Pueblo Bello versus Colômbia(Sentença de 31.01.2006), abordado, em sequência lógica, o amplo alcance do dever geral de garantia (artigo 1.1 da Convenção Americana) e as obrigações erga omnes de proteção (pars. 2-13), a gênese, ontologia e hermenêutica dos artigos 25 e 8 da Convenção Americana (pars. 14-21), a irrelevância da alegação de dificuldades de direito interno (pars. 22-23), o direito a um recurso efetivo na construção jurisprudencial da Corte Interamericana (pars. 24-27); em seguida, examinada a indissociabilidade entre o acesso à justiça (direito a um recurso efetivo) e as garantias do devido processo legal (artigos25 e 8 da Convenção Americana) (pars. 28-34), concluiu-se que tal indissociabilidade,consagrada na jurisprudence constanteda Corte até o presente (pars. 35-43), constitui um patrimônio jurídico do sistema interamericano de proteção e dos povos de nossa região, razão pela qual se é oposta qualquer tentativa de desconstruí-lo (par. 33). Sustentou-se também a referida indissociabilidade entre os artigos 25 e 8 da Convenção Americana como um "avanço jurisprudencial intangível" (pars. 44-52). O direito ao Direitoconstitui um "imperativo do jus cogens”.
Recomendações da Corte:
Além das recomendações da Comissão expostas na segunda questão (“O que levou a comissão a enviar o caso à Corte?”), a Corte ainda recomendou que o Estado deveria garantir, em um prazo razoável, que o processo interno destinado a investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos deste caso surta seus devidos efeitos, nos termos dos parágrafos 245 a 248 da presente Sentença.
Os familiares de vítimas de violações de
direitos humanos têm o direito a um recurso efetivo. “O conhecimento da verdade
dos fatos em violações de direitos humanos como as deste caso é um direito
inalienável e um meio importante de reparação para a suposta vítima e, quando
cabível, para seus familiares, além de constituir uma forma de esclarecimento
fundamental para que a sociedade possa desenvolver mecanismos próprios de
desaprovação e prevenção de violações como essas no futuro. (Par.245)” e ”A Corte adverte que o Estado deve garantir
que em um prazo razoável o processo interno destinado a investigar e sancionar
os responsáveis pelos fatos deste caso surta seus devidos efeitos, conferindo
aplicabilidade direta no direito interno às normas de proteção da Convenção
Americana. (Par.248)”, todavia, no
que diz respeito às investigações sobre os responsáveis pelo assassinato de
Damião, apenas no ano de 2009, o proprietário da clínica psiquiátrica Casa de
Repouso Guararapes e seis profissionais de saúde que ali trabalhavam foram
condenados a uma pena de seis anos de reclusão em regime semiaberto.
Apenas
em 2010, em uma ação cível de danos morais ajuizada pela família Ximenes Lopes,
o Tribunal de Justiça do Ceará confirmou a sentença de primeira instância que
condenou o proprietário da clínica psiquiátrica e também o diretor clínico e o
diretor administrativo a pagar uma indenização no valor de R$ 150 mil à mãe de
Damião. A família teve que esperar dez anos pelas sentenças criminal e cível em
primeira instância.
O Estado deve publicar, no prazo de
seis meses, no Diário Oficial e em outro jornal de ampla circulação nacional,
uma só vez, o Capítulo VII relativo aos fatos provados desta Sentença, sem as
respectivas notas de pé de página, bem como sua parte resolutiva, nos termos do
parágrafo 249 da presente Sentença.
O Estado deve continuar a desenvolver
um programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psiquiatria e
psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as pessoas
vinculadas ao atendimento de saúde mental, em especial sobre os princípios que
devem reger o trato das pessoas portadoras de deficiência mental, conforme os
padrões internacionais sobre a matéria e aqueles dispostos nesta Sentença, nos
termos do parágrafo 250 da presente Sentença.
O Estado deve pagar em dinheiro para as
senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, no prazo de um
ano, a título de indenização por dano material, a quantia fixada nos parágrafos
225 e 226, nos termos dos parágrafos 224 a 226 da presente Sentença.
O Estado deve pagar em dinheiro para as
senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda e para os senhores
Francisco Leopoldino Lopes e Cosme Ximenes Lopes, no prazo de um ano, a título
de indenização por dano imaterial, a quantia fixada no parágrafo 238, nos
termos dos parágrafos 237 a 239 da presente Sentença.
O Estado deve pagar em dinheiro, no
prazo de um ano, a título de custas e gastos gerados no âmbito interno e no
processo internacional perante o sistema interamericano de proteção dos
direitos humanos, a quantia fixada no parágrafo 253, a qual deverá ser entregue
à senhora Albertina Viana Lopes, nos termos dos parágrafos 252 e 253 da
presente Sentença. Supervisionará o
cumprimento íntegro desta Sentença e dará por concluído este caso uma vez que o
Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto nesta Sentença. No prazo de um
ano, contado a partir da notificação desta Sentença, o Estado deverá apresentar
à Corte relatório sobre as medidas adotadas para o seu cumprimento.
Execução da sentença pelo Brasil:
O Estado adotou internamente uma série de medidas para melhorar as condições da atenção psiquiátrica nas diversas instituições do Sistema Único de Saúde (SUS).
Execução da sentença pelo Brasil:
O Estado adotou internamente uma série de medidas para melhorar as condições da atenção psiquiátrica nas diversas instituições do Sistema Único de Saúde (SUS).
Algumas dessas medidas foram adotadas
pelo Município de Sobral, a saber: foi constituída uma comissão para investigar
a responsabilidade da Casa de Repouso Guararapes em relação com a morte do
senhor Damião Ximenes Lopes; foi implementada a Rede de Atenção Integral à
Saúde Mental de Sobral; foi assinado no ano 2000 um convênio entre o Programa
Saúde na Família e a Equipe de Saúde Mental do Município de Sobral; e foram
criados uma Unidade de Internação Psiquiátrica no Hospital Dr. Estevão da Ponte
do Município de Sobral; um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) especializado
no tratamento de pessoas portadoras de psicose e neurose; um Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) especializado no tratamento de pessoas dependentes de
álcool e outras substâncias psicotrópicas; o Serviço Residencial Terapêutico; e
uma unidade ambulatorial de psiquiatria regionalizada no Centro de
Especialidades Médicas e equipes do Programa Saúde na Família.
O Estado também adotou várias medidas no
âmbito nacional, entre as quais estão a aprovação da Lei nº 10.216, em 2001,
conhecida como “Lei de Reforma Psiquiátrica”; a realização do seminário sobre
“Direito à Saúde Mental – Regulamentação e aplicação da Lei nº 10.216”, em 23
de novembro de 2001; a realização da Terceira Conferência Nacional de Saúde
Mental em dezembro de 2001; a criação a partir de 2002 do Programa Nacional de
Avaliação dos Serviços Hospitalares Psiquiátricos; a implementação em 2004 do
Programa de Reestruturação Hospitalar do Sistema Único de Saúde; a
implementação do “Programa de Volta para Casa”; e a consolidação em 2004 do
Fórum de Coordenadores de Saúde Mental. Pagamento da indenização à família de
Damião Ximenes por sua morte, efetuado pela União em 17 de agosto de 2007. O
Brasil informou de modo genérico sobre as ações de capacitação de pessoal e que
a sentença penal emitida ainda não tem trânsito em julgado, razões pela qual
devem ser mantidas as ações de supervisão da sentença.
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