O conflito aparente de leis penais
O nosso ordenamento jurídico, em
algumas situações, pode apresentar um conflito entre normas, sendo isso
conhecido como a problemática da antinomia. Para que isso ocorra é necessário
que as normas conflitantes pertençam ao mesmo direito positivo; que sejam ambas
válidas e vigentes para enfrentar o mesmo problema jurídico; e que sejam
incompatíveis entre si. Para solucionar esses problemas são adotados alguns
critérios como: o hierárquico (ou da superioridade), o cronológico (ou da
posterioridade) e o da especialidade.
Esses critérios, entretanto, são
vistos no estudo da introdução ao Direito e estão sendo mencionados nesse texto
apenas como forma de introduzir a questão central, que é o conflito aparente de
leis penais, diferenciando-se do mostrado no primeiro parágrafo justamente pelo
termo “aparente”.
O conflito aparente de normas penais ocorre
quando há duas ou mais normas incriminadoras tipificando o mesmo fato, porém,
apenas uma norma é aplicada à hipótese. Daí podem ser tirados alguns elementos
para a existência desse conflito: unidade do fato; pluralidade de normas;
aparente aplicação de todas essas normas ao mesmo fato; e efetiva aplicação de
apenas uma delas.
Para solucionar esse problema são
usados princípios que conseguem obter a solução no caso concreto, afastando as
normas incidentes e indicando as normas penais que verdadeiramente são
aplicáveis à situação, afastando, assim, o bis
in idem.
O Princípio da Especialidade é considerado por grande parte da
doutrina como o mais importante desses princípios e estabelece que a lei
especial derroga a geral. Lei especial é aquela que contém todos os requisitos
da lei geral e mais alguns, chamados especializantes. Um exemplo disso é o art.
123 do Código Penal (infanticídio) em relação ao art. 121 (homicídio), pois
aquele possui especializantes em relação à vítima (o próprio filho), ao estado
(puerperal) e ao tempo (durante o parto ou logo após).
Outro princípio é o da Subsidiariedade, que diz que a norma
mais ampla engloba a norma mais específica. A norma subsidiária, portanto,
descreve um grau menor de violação de um mesmo bem jurídico, ou seja, um fato
menos amplo e menos grave, que definido como delito autônomo é também
compreendido como fase normal de execução de um crime mais grave. Exemplo: o
crime de ameaça (art. 147, CP) é subsidiário ao de constrangimento ilegal (art.
146, CP), o qual, por sua vez, cabe no de extorsão (art. 158, CP). Portanto, só
aplica-se esse princípio quando a norma principal for mais grave que a
subsidiária.
Outro princípio muito parecido com os
demais é o da Consunção (ou da Absorção).
Porém, nele é o fato, e não a norma,mais grave e mais amplo que engloba outros
menos graves e menos amplos. Exemplo: um sujeito que falsifica identidade para
praticar estelionato. Este só responderá pelo crime de estelionato e não pelo
de falsificação de documento, conforme entendimento da súmula 17 do Superior
Tribunal de Justiça: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais
potencialidade lesiva, é por este absorvido”.
Como forma de exemplificar o assunto,
finalizo meu texto com uma ementa do STJ que menciona justamente esse último
princípio visto.
Dados Gerais
Processo: AgRg
no REsp 1350276 MG 2012/0220929-8
Relator (a):
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Julgamento:
14/05/2013
Órgão Julgador:
T5 – QUINTA TURMA
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.FALSIDADE IDEOLÓGICA E
USO DE DOCUMENTO FALSO. APRESENTAÇÃO DE RECIBO MÉDICO IDEOLOGICAMENTE FALSOA
AUTORIDADE FAZENDÁRIA, NO BOJO DE AÇÃO FISCAL MOVIDA CONTRA TERCEIRO.
INEQUÍVOCO INTENTO DE JUSTIFICAR DESPESA INVERÍDICA NOTICIADA AO FISCO EM
MOVIMENTO ANTERIOR, VISANDO A REDUÇÃO OU O NÃO PAGAMENTODO TRIBUTO DEVIDO. MERO
EXAURIMENTO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO.
1. Apresentação de recibo ideologicamente falso quando o
contribuinte é chamado a comprovar as declarações prestadas em momento anterior
não poderia ter outra finalidade senão a de justificar despesa noticiada ao
fisco, visando a redução ou o não pagamento de tributo devido – prática ilícita
prevista na Lei nº 8.137/90. Ainda que essa ação tenha se dado no bojo de
procedimento fiscal instaurado contra terceira pessoa, tratando-se de mero
exaurimento da conduta necessária para a sonegação fiscal, inexiste, por essa
razão, potencialidade lesiva para o cometimento de outros crimes, o que atrai a
incidência do instituto da consunção.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
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