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domingo, 2 de novembro de 2014

Espaço do acadêmico - Verônica Goulart



Constrangimento ilegal

O crime de constrangimento ilegal está expresso no Código Penal brasileiro no artigo 146: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”. Para entendermos melhor o bem jurídico por ele tutelado, vamos fazer algumas considerações preliminares.

O antecedente mais remoto do crime de constrangimento ilegal foi o crime vis do Direito Romano, que, com uma concepção ampla, abrangia toda a ação praticada por quaisquer meios violentos. Somente a partir do movimento reformador iluminista começou-se a proteger o direito de liberdade como um fim em si mesmo.

Segundo o autor CÉZAR ROBERTO BITENCOURT, “o bem jurídico protegido é a liberdade individual ou pessoal de autodeterminação, ou seja, a liberdade do indivíduo de fazer ou não fazer o que lhe aprouver, dentro dos limites da ordem jurídica. A liberdade que se protege é a psíquica (livre formação da vontade, isto é, sem coação) e a física, ou seja, liberdade de movimento”.

Nesse sentido, o autor Flávio Augusto Monteiro de Barrostambém afirma que “a coação empregada para compelir a pessoa à prestação de ato ou abstenção de fato, fora dos casos em que a lei autoriza, constitui violação ao princípio da legalidade, dando ensejo à configuração do delito de constrangimento ilegal”.

Além do Código Penal, a Constituição Federal também garante aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no país, o direito à liberdade, determinando que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art.5º, II).

O sujeito ativo do crime de constrangimento ilegal pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma qualidade ou condição particular (delito comum). Entretanto, se o agente é funcionário público (art. 327, CP) e emprega violência ou grave ameaça no exercício de suas funções, configura-se o delito de violência arbitrária (art. 322, CP). Sujeito passivo é qualquer pessoa física, já que protege-se a livre manifestação da vontade, mas este deve ser capaz de sentir a violência motivar-se com ela (estão excluídos os enfermos mentais, crianças e etc.), mas é irrelevante que o sujeito não possua a integral capacidade de auto exercício da liberdade física (paralíticos, cegos e etc.).

De acordo com LUIZ RÉGIS PRADO, “a conduta típica consiste em constranger (forçar, compelir, obrigar, coagir) alguém a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”. Exige-se, assim, que a pretensão buscada pelo a gente seja ilegítima, em si mesma ou pelas condições em que se efetua. Distingue-se, nesse passo, a ilegitimidade absoluta (quando o agente não tem qualquer direito a ação ou omissão constrangida, por exemplo, ingerir drogas ou bebida alcoólica) e relativa (há o direito, mas a vítima não pode ser forçada, por exemplo, pagamento de dívida de jogo).

Os meios executivos do delito de constrangimento ilegal encontram-se taxativamente elencados no art. 146, a saber:

    a) Violência:é entendida, em seu sentido próprio, como a força física empregada para suplantar a resistência oposta pelo sujeito passivo. Pode a violência ser imediata, quando empregada diretamente sobre o sujeito passivo, ou mediata, quando exercida sobre terceiro ou sobre coisa estreitamente vinculada à vítima.

   b) Ameaça: é a violência moral, destinada a perturbar a liberdade psíquica e a tranquilidade da vítima, pela intimidação ou promessa de causar a alguém, futura ou imediatamente, mal relevante. Deve a ameaça revestir-se de gravidade, por exemplo, ameaça de morte, de lesão corporal grave, de significativo prejuízo econômico, etc. Para não confundirmos o delito de ameaça com o de constrangimento ilegal, devemos atentar para o fato de que ao contrário do primeiro, o constrangimento não exige que o mal prometido seja injusto.

    c)  Outros meios capazes de reduzir a capacidade de resistência da vítima: estes devem ser empregados de forma sub-reptícia ou fraudulenta. Refere-se a lei à ministração de substancias entorpecentes, de bebida alcoólica, de sugestão hipnótica, etc.

O tipo subjetivo deste delito é composto pelo dolo, isto é, pela consciência e vontade de constranger a vítima, através do emprego de violência física ou moral, para dela obter a conduta pretendida, assim, não há constrangimento ilegal culposo. Por isso, é perfeitamente admissível o constrangimento através da omissão. É o que ocorre, por exemplo, quando uma enfermeira deixa de ministrar a dieta alimentar ao seu paciente para obriga-lo a certo comportamento.

Consuma-se o constrangimento ilegal com a efetiva realização, pelo coagido, da conduta visada pelo agente. É preciso que a vítima inicie a execução da conduta imposta pelo coator (delito de resultado). Se o agente não tiver atingido, mesmo que parcialmente, o fim pretendido (a ação ou omissão ilegal), há apenas tentativa. Esta ocorre, por exemplo, quando a vítima, apesar de gravemente ameaçada, não se intimida ou,embora amedrontada, não deixa de fazer o que a lei permite ou não fazer o que ela não obriga. Podem ocorrer também as espécies de desistência voluntária e arrependimento eficaz, respondendo o agente pelos atos já praticados, nos termos do art. 15, CP.

Pode ocorrer que a conduta imposta pelo agente à vítima, através da violência ou grave ameaça, configure um delito. Nesse caso, é preciso distinguir se a coação física é irresistível ou resistível. Na primeira hipótese, há a exclusão da ação ou da omissão, pela inexistência da vontade, mas na segunda hipótese, responde pelo crime o coagido (como autor) e o coator (como partícipe), aplicando-se àquele a atenuante prevista no art. 65, III, c, CP.

As causas de aumento de pena estão presentes no §1º do art. 146, o qual determina a aplicação cumulativa e em dobro das penas previstas (detenção ou multa) quando, para a execução do crime se reúnem mais de três pessoas ou, há emprego de armas. Quanto à primeira majorante, argumenta-se que a presença de mais de três pessoas contribui para o incremento da gravidade da ameaça ou para tornar a violência perpetrada ainda mais perigosa. E isso porque a vítima tem diminuída a sua capacidade de resistência, ou seja, os seus recursos defensivos são enfraquecidos. O mesmo argumento serve para a segunda causa, mas vale salientar que a referência legal ao emprego de “armas” não indica a necessidade de pluralidade delas, mas tão somente designa o gênero.

Vale destacar que, de acordo com o §2º do art. 146, se do constrangimento resulta ofensa à integridade física ou à saúde da vítima, o agente responde pelo crime inscrito no art. 146 em concurso material com delito de lesão corporal. De semelhante, sobrevindo a morte, significa que há concurso material entre o constrangimento ilegal e o delito de lesão corporal seguida de morte. Ainda de acordo com esse mesmo parágrafo, a contravenção penal de vias de fato e o crime de ameaça as absorvidos pelo delito de constrangimento ilegal.

É importante frisar também que o constrangimento ilegal é delito subsidiário. Se o constrangimento figura como elementar de outro delito, como acontece nos crimes complexos (roupo, extorsão, estupro, etc.), não há concurso material, pois, nessa hipótese, verifica-se uma relação de subsidiariedade implícita, de modo que o tipo penal subsidiário (constrangimento ilegal), de menor gravidade, entra na composição de outro, como elemento objetivo do tipo (qualificadora) ou circunstância agravante (causa de aumento de pena). De conseguinte, configurado o tipo principal, afasta-se a aplicação concomitante desse dispositivo subsidiário, ainda que a pena daquele venha a ser menor.

O §3º do art. 146 estabelece que não se compreendem no dispositivo legal a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; assim como a coação exercida para impedir suicídio. Em ambas as hipóteses, há a exclusão da ilicitude da conduta pelo estado de necessidade, em virtude da importância do bem jurídico em perigo.

Por fim, comina-se ao constrangimento ilegal, alternativamente, pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa, admite-se ainda a suspensão condicional do processo, ressalvada a hipótese de prática delitiva contra mulher no âmbito doméstico e familiar. O processo e o julgamento do delito incumbem aos Juizados Especiais Criminais e a ação penal é pública incondicionada.



Referências:

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 2:parte especial, arts. 121 a 249 – 9ª ed. Rev. atual. eampl. – São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2010.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, 2 – 14ª ed. rev. ampl. eatual. - São Paulo: Saraiva, 2014.
DE BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Crimes Contra a Pessoa, São Paulo: Saraiva, 1997, p.222.


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