Constrangimento ilegal
O crime de constrangimento ilegal está expresso no
Código Penal brasileiro no artigo 146: “constranger alguém, mediante violência
ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a
capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que
ela não manda”. Para entendermos melhor o bem jurídico por ele tutelado, vamos
fazer algumas considerações preliminares.
O antecedente mais remoto do crime
de constrangimento ilegal foi o crime vis
do Direito Romano, que, com uma concepção ampla, abrangia toda a ação
praticada por quaisquer meios violentos. Somente a partir do movimento
reformador iluminista começou-se a proteger o direito de liberdade como um fim
em si mesmo.
Segundo o autor CÉZAR ROBERTO
BITENCOURT, “o bem jurídico protegido é a liberdade individual ou pessoal de
autodeterminação, ou seja, a liberdade do indivíduo de fazer ou não fazer o que
lhe aprouver, dentro dos limites da ordem jurídica. A liberdade que se protege
é a psíquica (livre formação da vontade, isto é, sem coação) e a física, ou
seja, liberdade de movimento”.
Nesse sentido, o autor Flávio Augusto Monteiro de Barrostambém afirma que “a coação
empregada para compelir a pessoa à prestação de ato ou abstenção de fato, fora
dos casos em que a lei autoriza, constitui violação ao princípio da legalidade,
dando ensejo à configuração do delito de constrangimento ilegal”.
Além do Código Penal, a Constituição
Federal também garante aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no país,
o direito à liberdade, determinando que “ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art.5º, II).
O sujeito ativo do crime de
constrangimento ilegal pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma
qualidade ou condição particular (delito comum). Entretanto, se o agente é
funcionário público (art. 327, CP) e emprega violência ou grave ameaça no
exercício de suas funções, configura-se o delito de violência arbitrária (art.
322, CP). Sujeito passivo é qualquer pessoa física, já que protege-se a livre
manifestação da vontade, mas este deve ser capaz de sentir a violência
motivar-se com ela (estão excluídos os enfermos mentais, crianças e etc.), mas
é irrelevante que o sujeito não possua a integral capacidade de auto exercício
da liberdade física (paralíticos, cegos e etc.).
De acordo com LUIZ RÉGIS PRADO, “a
conduta típica consiste em constranger (forçar, compelir, obrigar, coagir)
alguém a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”.
Exige-se, assim, que a pretensão buscada pelo a gente seja ilegítima, em si
mesma ou pelas condições em que se efetua. Distingue-se, nesse passo, a
ilegitimidade absoluta (quando o agente não tem qualquer direito a ação ou
omissão constrangida, por exemplo, ingerir drogas ou bebida alcoólica) e
relativa (há o direito, mas a vítima não pode ser forçada, por exemplo,
pagamento de dívida de jogo).
Os meios executivos do delito de
constrangimento ilegal encontram-se taxativamente elencados no art. 146, a saber:
a) Violência:é entendida, em seu sentido
próprio, como a força física empregada para suplantar a resistência oposta pelo
sujeito passivo. Pode a violência ser imediata,
quando empregada diretamente sobre o sujeito passivo, ou mediata, quando exercida sobre terceiro ou sobre coisa
estreitamente vinculada à vítima.
b) Ameaça: é a violência moral, destinada a
perturbar a liberdade psíquica e a tranquilidade da vítima, pela intimidação ou
promessa de causar a alguém, futura ou imediatamente, mal relevante. Deve a
ameaça revestir-se de gravidade, por exemplo, ameaça de morte, de lesão
corporal grave, de significativo prejuízo econômico, etc. Para não confundirmos
o delito de ameaça com o de constrangimento ilegal, devemos atentar para o fato
de que ao contrário do primeiro, o constrangimento não exige que o mal
prometido seja injusto.
c) Outros meios capazes de reduzir a
capacidade de resistência da vítima: estes
devem ser empregados de forma sub-reptícia ou fraudulenta. Refere-se a lei à
ministração de substancias entorpecentes, de bebida alcoólica, de sugestão
hipnótica, etc.
O tipo subjetivo deste delito é
composto pelo dolo, isto é, pela consciência e vontade de constranger a vítima,
através do emprego de violência física ou moral, para dela obter a conduta pretendida,
assim, não há constrangimento ilegal culposo. Por isso, é perfeitamente
admissível o constrangimento através da omissão. É o que ocorre, por exemplo,
quando uma enfermeira deixa de ministrar a dieta alimentar ao seu paciente para
obriga-lo a certo comportamento.
Consuma-se o constrangimento
ilegal com a efetiva realização, pelo coagido, da conduta visada pelo agente. É
preciso que a vítima inicie a execução da conduta imposta pelo coator (delito
de resultado). Se o agente não tiver atingido, mesmo que parcialmente, o fim
pretendido (a ação ou omissão ilegal), há apenas tentativa. Esta ocorre, por
exemplo, quando a vítima, apesar de gravemente ameaçada, não se intimida
ou,embora amedrontada, não deixa de fazer o que a lei permite ou não fazer o
que ela não obriga. Podem ocorrer também as espécies de desistência voluntária e arrependimento
eficaz, respondendo o agente pelos atos já praticados, nos termos do art.
15, CP.
Pode ocorrer que a conduta
imposta pelo agente à vítima, através da violência ou grave ameaça, configure
um delito. Nesse caso, é preciso distinguir se a coação física é irresistível
ou resistível. Na primeira hipótese, há a exclusão da ação ou da omissão, pela
inexistência da vontade, mas na segunda hipótese, responde pelo crime o coagido
(como autor) e o coator (como partícipe), aplicando-se àquele a atenuante
prevista no art. 65, III, c, CP.
As causas de aumento de pena
estão presentes no §1º do art. 146, o qual
determina a aplicação cumulativa e em dobro das penas previstas (detenção ou
multa) quando, para a execução do crime se reúnem mais de três pessoas ou, há
emprego de armas. Quanto à primeira majorante, argumenta-se que a presença de
mais de três pessoas contribui para o incremento da gravidade da ameaça ou para
tornar a violência perpetrada ainda mais perigosa. E isso porque a vítima tem
diminuída a sua capacidade de resistência, ou seja, os seus recursos defensivos
são enfraquecidos. O mesmo argumento serve para a segunda causa, mas vale salientar
que a referência legal ao emprego de “armas” não indica a necessidade de
pluralidade delas, mas tão somente designa o gênero.
Vale destacar
que, de acordo com o §2º do art. 146, se do constrangimento resulta ofensa à
integridade física ou à saúde da vítima, o agente responde pelo crime inscrito
no art. 146 em concurso material com delito de lesão corporal. De semelhante,
sobrevindo a morte, significa que há concurso material entre o constrangimento
ilegal e o delito de lesão corporal seguida de morte. Ainda de acordo com esse
mesmo parágrafo, a contravenção penal de vias de fato e o crime de ameaça as
absorvidos pelo delito de constrangimento ilegal.
É importante
frisar também que o constrangimento ilegal é delito subsidiário. Se o
constrangimento figura como elementar de outro delito, como acontece nos crimes
complexos (roupo, extorsão, estupro, etc.), não há concurso material, pois,
nessa hipótese, verifica-se uma relação de subsidiariedade implícita, de modo
que o tipo penal subsidiário (constrangimento ilegal), de menor gravidade, entra
na composição de outro, como elemento objetivo do tipo (qualificadora) ou
circunstância agravante (causa de aumento de pena). De conseguinte, configurado
o tipo principal, afasta-se a aplicação concomitante desse dispositivo
subsidiário, ainda que a pena daquele venha a ser menor.
O §3º do art.
146 estabelece que não se compreendem no dispositivo legal a intervenção médica
ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se
justificada por iminente perigo de vida; assim como a coação exercida para
impedir suicídio. Em ambas as hipóteses, há a exclusão da ilicitude da conduta
pelo estado de necessidade, em virtude da importância do bem jurídico em
perigo.
Por fim,
comina-se ao constrangimento ilegal, alternativamente, pena de detenção, de
três meses a um ano, ou multa, admite-se ainda a suspensão condicional do
processo, ressalvada a hipótese de prática delitiva contra mulher no âmbito
doméstico e familiar. O processo e o julgamento do delito incumbem aos Juizados
Especiais Criminais e a ação penal é pública incondicionada.
Referências:
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 2:parte
especial, arts. 121 a 249 – 9ª ed. Rev. atual. eampl. – São Paulo: EditoraRevista
dos Tribunais, 2010.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, 2 –
14ª ed. rev. ampl. eatual. - São Paulo: Saraiva, 2014.
Como citar este texto, conforme a NBR 6023:2002 ABNT?
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