Sequestro e cárcere privado
Com o artigo 148, o vigente Código Penal objetiva proteger o direto à liberdade, mais especificamente a de se locomover, aplicando sanção a quem a tolha sem o consentimento do seu titular, mediante sequestro ou cárcere privado. Trata-se de um crime comum, porque qualquer pessoa pode cometê-lo, e qualquer um pode ser seu sujeito passivo.
Para praticá-lo, o dolo do agente deve ser o de privar ou restringir a liberdade de outrem, sabendo, para tanto, ser ilegítima a sua conduta. Caso não esteja presente essa intenção, não se caracterizará o crime em estudo, mas, sim, podendo ser considerado como constrangimento ilegal. Ademais, se for legítima a causa da ação, ou se incidir em erro, não responderá o agente pelo crime, como acontece, respectivamente, nos casos de prisão em flagrante e de aprisionar-se um homem são por julgar-lhe, em razão de erro, louco. Todavia, se ocorrer abuso da conduta legítima, ocorrerá o crime em estudo.
A conduta típica seria, portanto, a de privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado. Segundo Euclides C. Silveira, deve-se entender com o primeiro a detenção ou retenção que impossibilite à vítima o afastamento do local em que foi colocada. O sequestro se realiza em aberto ou com enclausuramento, salientando Bitencourt que não precisa haver a supressão da liberdade por limites tão estreitos. Assim, um bom exemplo seria a retirada de um indivíduo de determinado lugar, levando-o para outro, ou para ser colocado em uma ilha. No cárcere privado, todavia, há confinamento ou clausura, o que remete a um recinto fechado, como uma casa qualquer. Desse modo, vale salientar que a jurisprudência entende ser sequestro a ação de encerrar a vítima no porta-malas do carro.
A consumação ocorre no exato momento da privação de liberdade. Contudo, como se trata de crime permanente, essa fase do inter criminis se prolonga no tempo, cerceando apenas quando for restituído o direito tutelado. Assim, será coautor ou partícipe quem, inclusive após o encarceramento, colaborar com o sujeito ativo. Por essa mesma qualidade do crime, há consenso sobre ser possível o flagrante. Decidiu-se, também, que se a ação for rápida, instantânea ou momentânea, configurará apenas a tentativa.
É relevante notar que mesmo por omissão pode ocorrer o crime. Assim, responde por cárcere privado o médico que não concede alta a um paciente já em perfeito estado. Nessas situações, entretanto, não poderá ocorrer a tentativa, porque a conduta omissiva já configura a consumação.
Quanto às formas qualificadas, elas poderão ocorrer por maior desvalor da ação, as quais estão contidas no parágrafo primeiro, ou pelo maior desvalor do resultado, localizadas no segundo parágrafo.
No parágrafo primeiro, estão enumeradas cinco situações taxativas, não admitindo o Código nenhuma forma de interpretação extensiva. A primeira delas contempla a relação entre vítima e agente. Assim, poderá ter pena maior quem atentar contra seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro. Argumenta Bitencourt que tais laços familiares supõem uma harmonia e respeitabilidade maior, além de elevado grau de confiança, sendo consideravelmente mais censurável a ação contra eles (BITENCOURT, 2011, p. 419). Ademais, foi incluída no inciso I do parágrafo em análise a figura do maior de sessenta anos, em virtude do Estatuto do Idoso. Esta última condição, entretanto, não torna a qualificadora irrefutável: é necessário que seja conhecida pelo autor para ser válida. Note-se, porém, que, embora a vítima possa reunir mais de uma das condições acima expostas, a soma delas não está autorizada.
O inciso II e III prevêem a possibilidade de maior dano, a saber, além da privação da liberdade, o atentado contra a integridade física e mental da vítima. Naquele, verifica-se a violência por atribuir, através de meio artificioso e fraudulento, suspeitas à sanidade do sujeito passivo, internando-o em casas de saúde ou hospitais, e, por conseguinte, reduzindo as suas defesas. O inciso III, por sua vez, observa a maior lesividade objetiva e insensibilidade moral intrínsecas a uma maior duração do crime; com o passar do tempo, maior se torna o sofrimento e a angústia de quem se encontra refém. Deste modo, estará qualificado o crime se a privação da liberdade for superior a quinze dias.
Possuirá também uma qualificadora a prática criminosa contra o menor de dezoito anos. A condição especial inserida pela Lei nº 11.106, obviamente, deve existir na data da ação ilícita. Contudo, se faz necessário salientar que, por ser a liberdade um bem disponível, o consentimento da vítima exclui o crime, exceto se esta for menor de quatorze anos.
A última qualificadora do parágrafo primeiro também foi inserida pela Lei nº 11.106, com o objetivo de disciplinar o crime que ela mesma revogou, a saber, o rapto. Agora, o sujeito passivo pode ser tanto o homem quanto a mulher, independentemente da honestidade desta, como antes se propunha. Assim, estará qualificada a ação criminosa se for intenção do agente a prática de atos libidinosos, ainda que estes não venham a ocorrer.
O parágrafo segundo do artigo 148, por conseguinte, torna a pena ainda mais severa se decorre de maus-tratos ou da natureza da detenção grave sofrimento físico ou moral. Sofrimento físico, como disciplina Mirabete, corresponde a lesões, doenças e perturbações à integridade corporal, enquanto configuram a ordem moral a vergonha e o terror, por exemplo. Uma mulher honesta deixada em trajes íntimos ou desvestida, exposta aos olhos dos carcereiros, seria, para este autor, um caso clássico revelador da conduta proibida pelo parágrafo segundo do tipo penal em questão.
O crime de sequestro e cárcere privado é tipicamente doloso, não sendo admitida a sua forma culposa. É também subsidiário, importando a sua não aplicação em detrimento de crimes que possam lhe englobar. Assim acontece com o crime de tortura, que o absorve, bem como a extorsão mediante sequestro. Para esses outros tipos penais, a conduta ilícita aqui estudada somente acarretará aumento da pena. Há de se observar, contudo, que se a privação da liberdade perdurar mais que o necessário para a prática do roubo, restará configurado o concurso de crimes.
Bibliografias:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 11. ed. São Paulo : Saraiva, 2011. (v.2)
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 28. ed. Sao Paulo : Atlas, 2002. (v.2)
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