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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Espaço do acadêmico - Hérico Almeida Gomes Salgado

Patrimônio

O Título II do Código Penal trata Dos Crimes Contra o Patrimônio nos quais a preocupação fundamental é a garantia aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à propriedade, que é considerado um dos direitos humanos fundamentais. Assim, segundo a doutrina, tais tipificações dos crimes patrimoniais, previstos neste Título em que estamos estudando, originam-se, em sua essência, da ausência do Estado Social, que cria, dada a sua má administração, um abismo entre as classes sociais, gerando consequentemente, um clima de tensão, altamente propício ao desenvolvimento de uma mentalidade voltada a pratica de tais infrações penais. Aqui, será fundamental ao enxergar utilizar a interpretação denominada Sistêmica ou Sistemática para que se tenha melhor compreensão dos tipos penais.

Após breves considerações gerais a respeito do Título II, aprofundaremos na questão pertinente alocada no Capítulo I, Artigo 155 § 2º do Código Penal brasileiro.

Primeiramente, é valido explicar o caput do Artigo 155, que como se sabe, trata do Furto Simples e assim versa: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Segundo Guilherme de Souza Nucci no seu conceito de furto diz que “furtar significa apoderar-se ou assenhorear de coisa pertencente a outrem, ou seja, torna-se senhor ou dono daquilo que juridicamente não lhe pertence.

O nomen júris do crime, por si só, dá uma bem definida noção do que vem a ser a conduta descrita no tipo penal.” Nucci complementa dizendo que “subtrair significa tirar, fazer desaparecer ou retirar e somente em última análise, furtar (apoderar-se). É verdade que o verbo ‘furtar’ tem uma alcance mais amplo do que ‘subtrair’, justamente por isso o tipo penal preferiu identificar o crime como sendo de FURTO e a conduta que o concretiza como subtrair, seguida, é lógico, de outros importantes elementos descritivos e normativos. Assim, o simples fato de alguém tirar coisa pertencente a outra pessoa não quer dizer, automaticamente, ter havido um furto, já que se exige, ainda, o animo fundamental, componente da conduta de furtar, que é assenhorear-se do que não lhe pertence.”

Então, Furto é a subtração de coisa alheia móvel que o agente realiza para tê-la como sua ou para que outra pessoa dela se torne senhora. Como foi dito anteriormente, o bem jurídico protegido é, primordialmente, a posse da coisa e, secundariamente, a propriedade. Posse é a relação de fato entre uma pessoa e uma coisa, que faz com que aquele a detenha e dela faça uso. O possuidor usa, goza e frui da coisa. O proprietário é a pessoa que pode dispor da coisa, porque lhe pertence. Às vezes, o proprietário não tem a posse da coisa, que empresta ou aluga à terceira pessoa, que passa a usufruí-la, exercendo, portanto, sua posse. Mas ambos têm direitos sobre ela. O proprietário, mesmo sem a posse, continua sendo o único a poder dela dispor. O possuidor, mesmo dela não podendo dispor, porque não lhe pertence, é, entretanto, quem a tem consigo, usando como se sua fosse. A posse protegida é a legítima, a que decorre da propriedade ou de contrato que o proprietário sobre ela tenha feito, inclusive a título gratuito.

Segundo os Tribunais Superiores não é necessária a posse tranquila sobre a coisa, conforme se observa a ementa em seguida: “Recurso especial. Penal. Furto. Delito Consumado. Posse tranquila da res subtraída. Desnecessidade.

1 – Considera-se consumado o delito do furto, bem como o de roubo, no momento em que o agente se torna possuidor da res subtraída, ainda que não obtenha a posse tranquila do bem, sendo prescindível que saia da esfera de vigilância da vítima. Precedentes do STF e do STJ.

2 – Recurso conhecido e provido” (STJ, REsp.668857/RS; Recurso Especial 2004/00839-8, 5ª Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz)

O § 2º do Art. 155 é classificado pela doutrina como sendo Furto Privilegiado, pois como diz o próprio parágrafo: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”.

O que vem a ser criminoso primário? A primariedade é o primeiro requisito para o reconhecimento do furto privilegiado. Agente primário é aquele que não é reincidente. Reincidente é quem, depois de estar condenado por sentença penal transitada em julgado, vem a cometer novo fato típico. Ao ser condenado por este fato cometido após o trânsito em julgado daquela primeira sentença condenatória, não será considerado primário. Como bem lembrou Damásio de Jesus, “para o Direito brasileiro o agente é primário ou não é. Se não é primário é porque é reincidente. Se é reincidente, não é primário. Se não é reincidente, é primário e ponto final.”

É importante salientar que o que está dito no parágrafo é ser o individuo primário, o que não se confunde com o agente com maus antecedentes. A lei exige apenas ser o criminoso primário para que o juiz possa substituir a pena de reclusão por detenção e diminuí-la. Pode, segundo Rogério Greco o “agente ter sido condenado em outros processos, por exemplo, que não se prestem para efeitos de forjar a reincidência, sendo, outro sim, portador de maus antecedentes.” Para finalizar, basta observar o que é dito no Artigo 63 do Código Penal: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.

O segundo requisito para o reconhecimento do Furto privilegiado é ser o objeto do furto de pequeno valor, o que a doutrina e jurisprudência divergem em algumas interpretações, tendo em vista que se leva em conta ora o valor do prejuízo causado à vitima,ora o valor da coisa em si.

Guilherme de Souza Nucci adota a postura que entende a “interpretação literal, ou seja, deve-se ponderar unicamente o valor da coisa, pouco interessando se para a vitima, o prejuízo foi irrelevante”. Seguindo esse pensamento esta Rogério Greco que afirma “que pequeno valor diz respeito à coisa furtada, sendo objetivo esse dano, não fazendo menção a lei penal a pequeno prejuízo, cujo raciocínio poderia nos conduzir a pessoa da vítima”, o que seria subjetivo.

Por outro lado, Moura Teles diz que “Não se deve buscar um critério único, como o valor do salário mínimo, mas utilizá-lo apenas como ponto de partida, valorando a coisa subtraída em sua qualidade e quantidade, tanto para o sujeito ativo quanto para o sujeito passivo. Coisa de valor de troca irrisório ou inferior ao do salário mínimo – a única fotografia da ex-namorada dos sujeitos do crime – tem um enorme valor estimativo para a vítima e pode ter também para o agente, tanto que este a subtraiu, logo não poderá ser considerada de pequeno valor.” Para ele, não basta que apenas seja de pequeno valor o objeto em si, e sim também subjetivamente, a significância e importância da coisa furtada para o sujeito passivo, a vítima.

O TJPB (Tribunal de Justiça da Paraíba) diz que “De outra parte, o conceito de pequeno valor da coisa furtada há que ser delimitado pela capacidade econômica da vítima. Então, se aquela é pessoa pobre, simples trabalhador braçal, as sandálias que usa e a pequena quantidade de dinheiro que conduz na carteira representam bens de induvidosa relevância para sua pessoa, afastada resta a possibilidade de desclassificação do furto para sua modalidade privilegiada.” (Ap.200.2004.023798-0/001, rel. Raphael Carneiro Arnaud, 01.06.2006).

A título de curiosidade, pequeno valor é diferente de insignificante. Como foi dito em aula ministrada pelo Prof. João Franco, quando há um delito no qual o objeto é de pequeno valor, instaura-se a ação penal e o processo, pois, significou uma perda do patrimônio da vítima, mas por ser de pouco valor, o juiz atenuará a pena ou extinguirá se os requisitos legais forem obedecidos. Por outro lado, quando o objeto do delito for insignificante, isto é, não significou perda de patrimônio e nem de nenhum valor jurídico, não cabe ação nem o processo.

Após a análise dos dois requisitos contidos no parágrafo 2º deve-se analisar seu complemento. A expressão “pode”, contida no § 2º do art. 155, não significa que a concessão do benefício seja uma faculdade do juiz porque é empregada no sentido de permitir-lhe escolher entre as opções: substituição da pena de reclusão pela de detenção, diminuição de um a dois terços ou aplicação exclusiva da pena de multa. Fica, pois, na faculdade do juiz escolher qual dos benefícios conceder ao réu, o que será feito levando em conta as circunstâncias judiciais do art. 59, que é a fixação da pena.

Estas só devem ser analisadas para orientar a opção do juiz, não para o reconhecimento do privilégio, que está sujeito apenas à verificação das duas condições – a primariedade e o pequeno valor da coisa. Há, entretanto, pensamento doutrinário e jurisprudencial no sentido contrário, de que, além dos requisitos objetivo e subjetivo do § 2º, deve o juiz verificar se o agente reúne outras condições, como as que a lei exige para a concessão do sursis ou algumas para o livramento condicional. Negar o privilégio porque o agente tem maus antecedentes, não tem conduta social adequada ou tem contra si sentença condenatória recorrível, é negar vigência à norma do § 2º do art. 155, impondo o juiz – e, portanto, legislando, o que lhe é defeso – condições que a lei não criou. Ademais, o privilégio é causa de diminuição de pena, de sua substituição ou de facultar a aplicação de penas cominadas cumulativamente.

Por fim, merece a devida atenção a possibilidade defendida por parte da doutrina, como Rogério Greco, de ser aplicado o § 2º do Art. 155 às modalidades do Furto Qualificado que estão previstas no § 4º do mesmo artigo, denominados de Furto Qualificado-Privilegiado, ou da não aplicação, segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores e parte da doutrina.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça “O pensamento dominante preconizado no seio desta Corte Superior contraria a pretensão heróica e se assemelha aos fundamentos do acórdão vergastado, uma vez que a incidência do privilegio não pode ter, indiferentemente, o mesmo efeito na forma qualificada do que tem na forma básica, pois a existência da qualificadora inibe a sua aplicação, mesmo se primário o réu e de pequeno valor a coisa ou, ainda, ausente o prejuízo. Assim, em que pesem os argumentos da defesa, não há como reconhecer o furto qualificado-privilegiado.” (REsp. 664272/SP; Recurso Especial 2004/0068153-1, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma).

Em outro caso o STJ assim decidiu: “É incabível a aplicação do privilégio constante no art. 155, § 2º, do Código Penal, mesmo sendo primário o réu e, a coisa furtada, de pequeno valor, em face da incidência da circunstancia qualificadora do concurso de agentes. Precedentes” (REsp. 706240/RS; Recurso Especial 2004/0168026-1, 5ª Turma, relator Ministro Gilson Dipp).




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