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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Espaço do docente - Frederico Ricardo de Almeida Neves


Lei nº 12.424/2011
Delimitação do horizonte temporal

Frederico Ricardo de Almeida Neves, Desembargador Ouvidor do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Professor de Direito Processual Civil da Universidade Católica de Pernambuco. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Clássica de Lisboa.

A Lei nº 12.424/2011, de 16 de junho, introduziu no Código Civil brasileiro o artigo 1.240-A, a seguir transcrito:

“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m2 (duzentos e cinqüenta metros quadrados), cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural” § 1º. O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 2º. (VETADO).

Essa recém criada forma de aquisição e, ao mesmo tempo, de perda parcial da propriedade de bem imóvel, por decurso de tempo, está condicionada à presença, em concurso, de alguns requisitos muito bem definidos na lei. A saber: (i) O exercício da posse direta e exclusiva; (ii) por dois anos ininterruptos e sem oposição; (iii) sobre imóvel urbano de área não superior a 250 m2; e, ainda, (iv) Ter havido abandono do lar do ex-cônjuge ou ex-companheiro com quem era dividido o domínio sobre a coisa; (v) A utilização do imóvel do casal, pelo que permaneceu a exercer a posse direta, para a sua moradia ou de sua família; e (vi) Não ser o beneficiário proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Sem aprofundamentos que um breve articulado como este não comporta, uma pergunta, todavia, surge, desde já, essencial: O diploma inovador, ao impor, de forma direta e implacável, sacrifícios patrimoniais a quem se afastar do lar, por certo lapso temporal, dispôs apenas para o futuro, ou, ao contrário, revela-se, também, suscetível de projetar efeitos retroativos, em ordem a alcançar situações pretéritas?

Eis o que se vai brevemente investigar.

Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão consideram simplista a asserção segundo a qual toda lei dispõe para o futuro, não podendo nem devendo ser aplicada a realidades materiais anteriores à sua feitura. Para os citados juristas lusitanos, saber se o novo diploma legal dispõe apenas para o futuro ou se também regerá situações fáticas já ocorridas antes da sua gênese, exige do intérprete aplicador da norma o trilhar do seguinte percurso: 1) Num primeiro momento deve procurar saber se a lei se situa em domínio no qual seja proibida a sua aplicação a fatos do passado; 2) Não sendo o caso, o segundo passo consistirá na interpretação da lei, verificando se ela própria pretende aplicar-se a fatos do passado, ou, ainda que nada diga, se o seu objetivo último parece ser o de fazer face a realidades geradas em momento anterior ao do seu início de vigência; 3) Se a lei não visar aplicação retroativa e nada no domínio em que se integra apontar para tal aplicação, então ela só disporá para o futuro (Introdução ao Estudo do Direito, Editora LEX, Lisboa, 2000).

Pois bem: Seguindo rigorosamente a orientação doutrinária supra, verifica-se que, no âmbito da Constituição brasileira, há domínios em que a retroatividade da lei é expressamente proibida. Assim é que, em matéria penal, a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (artigo 5º, inciso XL). Retenha-se: Apenas a lei penal de conteúdo mais favorável ao acusado tem aplicação retroativa.

Também em matéria fiscal, é vedado cobrar tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado” e “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (artigo 150, inciso III, alíneas “a” e “b”).

Disso infere-se, bem se percebe, que a lei sob análise, não dispondo sobre matéria penal ou fiscal, não está integrada em domínio de interdição, muito menos de imposição constitucional de retroatividade.

Importa, então, num segundo momento, interpretar a lei para saber se ela pretende aplicar-se a fatos do passado. Não parece que o legislador tenha querido isso. A lei, em bom rigor, nada diz quanto ao momento a partir do qual deve ser aplicada, não sendo possível, igualmente, com fundamento no seu sentido real, atribuir-lhe eficácia retroativa. Isso porque, o direito do ex-cônjuge ou ex-companheiro - que se retirou do lar, antes da vigência do novo regime - à parte do domínio do imóvel do casal, não pode ser vulnerado sob pena de instalar-se uma absoluta insegurança jurídica, que não interessa à paz social.

Não parece ocioso relembrar que, num estado que se pretenda democrático de direito, a segurança e a previsibilidade das situações jurídicas caracterizam-se, autenticamente, como postulados fundamentais, sem os quais a Justiça correria sérios riscos de ficar comprometida. O ex-cônjuge ou o ex-companheiro que, antes da vigência do novo regime, por qualquer motivo, tenha abandonado o lar, não podia prever, à altura, por absoluta ausência de normatividade sobre o tema, que a sua conduta, albergada ou não pela licitude, pudesse acarretar a perda superveniente dos seus direitos incidentes sobre parte do imóvel do casal. Isso, se bem se vir, é o quanto basta para que, diante da nova e ineliminável realidade, ao ex-cônjuge ou ex-companheiro retirante do lar seja assegurada à plena adaptabilidade da sua anterior conduta às novas regras já agora em vigor, isso com vistas à preservação dos seus direitos.

 

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