Penal | Publicação
em 04.06.12
Um homem com problemas mentais, que não cometeu
nenhum crime, ficou mais de 30 anos preso no Complexo Médico de Pinhais, na
região metropolitana de Curitiba. Em 1981, Francisco Celestino, então com 23
anos, foi detido, acusado de furto. Ele foi considerado inocente, mas, ainda
assim, na época, o juiz determinou sua internação no manicômio judiciário por
entender que Celestino representava um “perigo para a comunidade”.
Do complexo, Celestino saiu apenas uma vez, em 2002. Passou por dois hospitais
psiquiátricos e, em 2005, foi acusado de ter agredido outro paciente. Acabou
voltando para o Complexo Médico, onde permanece até hoje. Considerado um
paciente “tranquilo e pacato”, ele perdeu todo contato com a família.
- Ele nunca deveria estar preso. Não cometeu crime nenhum. Já naquela época
deveria ficar junto com a família, recebendo acompanhamento médico. Ou, na
falta da família, numa comunidade terapêutica ou clínica, algum lugar em que
pudesse receber atendimento, sem perder o vínculo com a sociedade - disse o juiz Eduardo
Lino Bueno Fagundes Junior, da Vara de Execuções Penais de Curitiba, ao jornal
O Globo. A matéria é assinada pelo jornalista Guilherme Voitch.
Celestino é um entre108 detentos do Complexo que não tinham mais de estar
presos. Desde o começo de maio, eles estão tendo a situação regularizada por
meio de um mutirão organizado pela VEP, com o apoio do Conselho Nacional de
Justiça.
- São pessoas que cometeram pequenos furtos, roubaram um chocolate, pegaram
uma blusa, gritaram na rua e foram presas por desacato. Elas foram esquecidas
ali e encarceradas. Muitos desses pacientes perguntam se vamos levá-los para um
lugar com sol" - diz Fagundes Junior.
Esse esquecimento é justamente o oposto do que prega a legislação atual. O
Código Penal prevê que pessoas com problemas mentais que tenham cometido
delitos devem ser submetidas a tratamento ambulatorial ou internados, em caso
de crimes graves. Depois do terceiro ano de reclusão, elas precisam ser
reavaliadas por médicos anualmente.
O juiz lembra que, além do esquecimento, a detenção no complexo mistura
pacientes que não oferecem riscos com detentos donos de um histórico maior de
agressividade. No Complexo de Pinhais, por exemplo, está preso Carlos Eduardo
Sundfeld Nunes, o Cadu, que matou o cartunista Glauco e seu filho Raoni, em São
Paulo, e chegou a disparar contra policiais na fuga.
Dos 108 pacientes que deveriam estar livres, 46 foram entregues às famílias e
12 encaminhados para instituições terapêuticas. O restante, sem laços
familiares, aguarda acolhimento pela Secretaria Estadual de Saúde do Paraná.
Números nacionais
* O CNJ pretende intensificar a fiscalização em manicômios judiciais de todo o
Brasil. Dados do Ministério da Justiça indicam 3,2 mil detentos em regime de
internação. Não são números seguros, já que os Estados não sabem quem e quantos
são os detentos nessa situação.
* Por enquanto, sabe-se que a situação encontrada em Curitiba não é única. Em
mutirão do CNJ em 2011, no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de
Salvador, foi revelado que 88 dos 156 internos aguardavam laudo de insanidade
mental, condição para a internação, e que deveria ser expedido em até 135 dias.
Na Bahia, o CNJ encontrou Derivaldo Bispo Santos, de 60 anos. Em 1977, ele foi
internado por ter cometido lesão corporal - crime cuja pena máxima é de 12
anos.
* - É preciso haver
residências terapêuticas para acolher essa gente que muitas vezes não pode mais
voltar pra casa, mas também não merece a prisão - disse, em entrevista
ao saite do CNJ, o juiz gaúcho Luciano André Losekann, coordenador dos mutirões
carcerários e de medidas de segurança do Conselho.
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