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INFANTICÍDIO – TRATADO DE OBSTETRÍCIA
O
Direito Penal deve lançar mão das diversas ciências para manter atualizados
os seus preceitos e bem aplicar as suas
normas. Com referência ao art. 123 do Código Penal, ao tratar da questão do
infanticídio, torna-se importante para os profissionais que atuam na área o
conhecimento da visão da medicina dobre o a puerperalidade. Para colaborar na
divulgação dos conceitos mais modernos comentamos para fins de estudo alguns
tópicos do "Tratado de Obstetrícia da
Febrasgo-Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia":
SÍNDROME DA TRISTEZA PÓS-PARTO
O
texto chama a atenção para o fato de que a gravidez pode representar um momento
de crise para a gestante, crise essa entendida como um perturbação passageira
de um estado de equilíbrio. É interessante notar que Erich Fromm em seu estudo
sobre as consequências de uma agressão já havia registrado que no homem cada novo estado de
desequilíbrio força o homem a procurar um equilíbrio novo. Muitas vezes, quando
forçado a encontrar uma nova solução, o homem avança rumo a uma situação de
impasse, de que tem de livrar-se para reencontrar o seu equilíbrio.
Na gestante
a gravidez pode soar como uma crise, entendida como um momento transitório de
perturbação de um estado de equilíbrio. A perturbação pode ter lugar na mudança
do papel de esposa para um novo, totalmente diferente e irreversível, de mãe.
Isso além das inegáveis mudanças econômicas em sua vida e, ao lado de novas
relações afetivas, a perda ou alterações nas antigas. Pode ocorrer, então, uma
fase de relativa desorganização pessoal se a mãe já convive com os demais em um
nível neuroticamente constituído.
Tal
fato que conduz a uma fase melancólica, conhecida como “maternity blues” ou simplesmente blues. Esse nome derivado de um gênero de música norte americano
que possui um colorido de lamento, dor e tristeza característicos.
Os
autores esclarecem: “Ao observarmos com sensibilidade e atenção uma paciente
puérpera, podemos notar não raramente variações de estado de humor, com
tendência à depressão, labilidade emocional, expressões, falas, gestos e
condutas que evidenciam todo o complexo da nova situação vivenciada -, a
adaptação a ela -, não só do ponto de vista biológico, mas emocional e social.
Ora,
isso pode contrastar com a realidade concreta vivida com a presença do bebê
sadio e desejado, constituindo “matéria prima” para vivências conflitivas que
mobilizam auto-reprovação, constrangimento e sentimento de culpa na mente da
paciente e que, com freqüência é pouco entendida e compreendida pelo marido
e/ou companheiro e familiares que podem complicar mais a situação.”
(...)
Esclarecem
ainda que “A ação terapêutica do obstetra consiste em poder propiciar que nessa
oportunidade a paciente fale, pense e, portanto, elabore sua intimidade em
conflito com alguém que a compreenda neste estado e possa ajudá-la a sair dele,
utilizando seus próprios recursos mentais e não tendo o médico que resolver por
ela.
O
blues pode, eventualmente, ter
sintomatologia mais séria que simples tendências e oscilações depressivas do
humor, como, por exemplo, ideação hipocondríaca, insônia, além de vivência de
desrealização e despersonalização. Costumam iniciar nos primeiros dias do
puerpério e remir em duas semanas aproximadamente. São auto-resolutivas e não
costumam deixar sequelas do ponto de vista psicopatológico clínico, porém é
necessária a abordagem adequada do obstetra como medida de prevenção das
dificuldades psicodinâmicas na relação mãe-bebê ou mesmo evitar evolução
eventual para psicose puerperal.”
DEPRESSÃO
PUERPERAL OU DEPRESSÃO NEURÓTICA PÓS-PARTO
A
depressão puerperal ou depressão
neurótica pós-parto - esclarecem os
autores – “é uma intercorrência cujo quadro clínico é de descrições pouco
consistentes e semelhantes ao blues puerperal,
só que de modo mais intenso e estruturado, onde se fala em angústia e
irritabilidade correlata, mascarando a depressão, depressão ansiosa e depressão
atípica por não piorar no fim do dia e começar com insônia etc., mas que é um
quadro depressivo sem melancolia ou psicose.
A
paciente apresenta-se triste, com humor depressivo, labilidade emocional,
estados mentais instáveis, anorexia, insônia, auto-acusações e reprovações,
sentimentos de não ser ”suficientemente boa” ou “adequadamente” mãe para cuidar
de seu bebê, amamentá-lo ou amá-lo.
Enfim, fantasias que põem a puerpéra em situações muito desconfortáveis
perante ela mesma e a maternidade, não podendo usufruir a realidade vivida,
vivenciando-a de modo sofrido e angustiado.
Aqui
também está presente e de modo mais intenso o anteriormente referido conflito
entre a vivência do estado depressivo contrastando com a situação de realidade
de ter tido um filho saudável e desejado conscientemente, agravado pelas
incompreensões, cobranças e até hostilidade por parte do marido, companheiro e
de familiares, como mãe e sogra, ficando a paciente constrangida ou muito
envergonhada de sentir-se assim.
Entre
outros os autores consideram fatores preditivos ou de risco:
a)
Episódios
depressivos pretéritos;
b)
Estados
depressivos e ansiosos durante o ciclo gravídico-puerperal, emergentes da
dinâmica e conflitiva pessoal;
c)
Crises
conjugais relacionadas ou desencadeadas com a situação vivida;
O
diagnóstico diferencial deve ser feito com o blues puerperal.
São
quadros mais duradouros, mais estruturados psicopatologicamente, que podem se
cronificar se não bem orientados, com consequências não só para a paciente, mas
para o desenvolvimento emocional e cognitivo do filho.”
Para
o advogado merecem especial atenção as psicoses
puerperais ou distúrbios afetivos psicótico-puerperal.
Nestas,
diferentemente das duas primeiras entidades, que são distorções emocionais da
realidade em níveis distintos, encontramos “rotura com a realidade. As formas
clínicas são várias, semiologicamente não se distinguem dos quadros habituais,
como já referimos, e há um predomínio das alterações de humor, com tendência à
depressão, sintomas produtivos como ideação delirante, de caráter depressivo ou
persecutório, alucinações auditivas e visuais, aceleração, lentificação e
desagregação do pensamento, além de agitação psicomotora eventual.”
Na
hipótese, continuam, “são possíveis, portanto, os diagnósticos de depressão
psicótica, surtos maníacos e quadros esquizomórfos ou esquizoa-afetivos
puerperais. Iniciam-se de modo abrupto nas duas ou três primeiras semanas pós
parto e podem, com frequencia, ter pródomos que podem sugerir, de início
enfermidades menos graves, como labilidade emocional, insônia, cefaléia,
inquietação ou retraimento.
O
que há de específico e frequente nestes delírios e alucinações é o seu conteúdo
com referência à gravidez, parto e ao neonato. Há uma tendência a negação do
ocorrido e franca agressividade e hostilidade dirigidos à criança, numa clara
evidência, como já observamos antes, da patologia do vínculo mãe-bebê,
parâmetro de saúde-doença, fundamental neste período.
Como
realmente há risco de agressões e até morte do neonato por parte da mãe, é
preciso, nos casos de maior comprometimento psicopatológico, de maior
desagregação da personalidade, separar o bebê da mãe, embora se saiba que isso
pode contribuir para manutenção de sua doença. Trata-se de uma situação que
exige especial atenção dos profissionais nela envolvidos, e a questão
prioritária é resguardar o bebê por motivos óbvios. Com o decorrer do tratamento
psiquiátrico em regime de internação, procura-se fazer a reaproximação aos
poucos e sob vigilância cuidadosa e constante de profissionais habilitados.
Matar
um filho nesse período é sintoma de doença mental grave, tanto é que no Código
Penal Brasileiro tais fatos perpretados pela mãe não são passíveis de
penalização, cabendo, na linguagem jurídica o que se chama de medida de
segurança: traduzindo em linguagem médica, significa reclusão para tratamento
em instituição adequada.”
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