O
crime de furto e o princípio da insignificância
RESUMO:
O presente artigo tem o objetivo de analisar a incidência do princípio da
insignificância nos crimes de furto, presente no artigo 155 do Código Penal, e
apresentar decisões jurisprudenciais consolidadas que atestam esse uso.
A
função do Direito Penal é tutelar os bens jurídicos mais relevantes e
essenciais para uma determinada sociedade, quando houver uma grave lesão a este
bem protegido pela norma penal, com o objetivo de assegurar o convívio
harmonioso da sociedade.
Nesse contexto, o Direito Penal, por sua
natureza fragmentária, não pune todo e qualquer tipo de conduta. Esse caráter
fragmentário significa que, uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais,
comprovada a lesividade e a inadequação das condutas que os ofendem, esses bens
passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito
Penal, com todos os seus meios coercitivos. Nos casos em que a lesão for
insignificante, ou, ainda, inexistente, há a exclusão da tipicidade.
Com relação a essa tipicidade, é preciso,
antes de tudo, diferenciar as suas espécies. A tipicidade formal é simplesmente
a adequação do fato à norma, isto é, ao tipo descrito em lei – o que chamamos
de subsunção do fato à norma. Aqui, se todos os elementos do tipo forem
preenchidos, a ação do agente encontrará sua tipicidade formal. Por outro lado,
a tipicidade material consiste numa efetiva lesão ou ameaça ao bem jurídico
tutelado pela norma penal. Para verificá-la, é preciso analisar se houve
ocorrência do pressuposto básico da incidência da lei penal, ou seja, se houve
ocorrência de lesão significativa a bens jurídicos relevantes à sociedade.
O
princípio da insignificância preconiza que para que uma conduta seja
considerada criminosa, pelo menos em primeiro momento, é preciso que se faça,
além do juízo de tipicidade formal, também o juízo de tipicidade material. Se a
conduta, apesar de formalmente típica, lesar de modo desprezível o bem jurídico
protegido, não há que se falar em tipicidade material, o que transforma o
comportamento do agente em atípico, ou seja, indiferente ao Direito Penal e
incapaz de gerar condenação ou mesmo de dar início ao inquérito penal. Sendo
assim, temos que é materialmente atípica a conduta que provoca uma lesão
irrelevante ao bem jurídico.
Cézar
Roberto Bitencourt (2009, p. 296) traz uma noção do que seja o princípio da
insignificância.
Segundo esse princípio, é
necessária uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se
pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Frequentemente,
condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal,
não apresentam nenhuma relevância material, por não produzirem uma ofensa
significativa ao bem jurídico tutelado. Nessas circunstâncias, pode-se afastar
liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a
ser lesado.
A
partir dessas considerações e compreendendo que o Direito Penal é a última
ratio, e por conta disso, resulta na necessidade de respeito ao princípio da
intervenção mínima, como uma forma de limitar o poder do Estado, entende-se que
o objetivo dessa ciência penal é a proteção dos bens jurídicos mais importantes
para uma sociedade. Esta escolha, feita pelo legislador – a partir da adoção de
critérios políticos e baseado no contexto pelo qual está inserida a sociedade,
elencou os bens tidos como fundamentais para a manutenção do Estado de Direito.
Por isso é que o Direito Penal possui natureza fragmentária, ou seja, não
protege todos os bens jurídicos e sim os mais fundamentais e nem tampouco todas
as lesões eleitas pela coletividade e sim as mais relevantes e necessárias para
o convívio social.
Fazendo
uma breve análise do instituto do furto, presente no artigo 155 do Código
Penal, temos a seguinte redação:
Art.
155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena
- reclusão, de um a quatro anos, e multa.
O
bem jurídico protegido pelo direito penal, no crime de furto, tipificado no
artigo 155 do Código Penal, é o patrimônio, estando nele englobado a posse e a
propriedade da coisa. Com relação à aplicação do princípio da insignificância
ao crime de furto, temos que, ao prescrever os tipos abstratos, o legislador
não é capaz de enxergar a intensidade da lesão para que possa auferir uma
relevância penal, cabendo aos aplicadores do direito fazer essa análise. Neste
sentido, Paulo de Souza Queiroz afirma que: “[…] o que in abstrato é penalmente
relevante pode não o ser verdadeiramente, isto é, pode não assumir, in
concreto, suficiente dignidade e significação jurídico- penal”. Podemos
destacar o entendimento do ministro Celso Antônio Bandeira de Mello acerca da
utilização do princípio da insignificância.
Consoante
entendimento jurisprudencial, o "princípio da insignificância - que deve
ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção
mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a
própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material.
(...).
Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade
penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da
conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade
da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica,
no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e
impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima
do Poder Público." (HC nº 84.412-0/SP, STF, Min. Celso de Mello, DJU
19.11.2004).
Algumas
decisões jurisprudenciais atestam a utilização do princípio da insignificância
aos crimes de furto.
“HABEAS
CORPUS. FURTO. AUSÊNCIA DA TIPICIDADE MATERIAL. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM
JURÍDICO TUTELADO. REINCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
POSSIBILIDADE.1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o
bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade.
Inocorrência de tipicidade material, mas apenas a formal, quando a conduta não
possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da
tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima. É o chamado princípio
da insignificância. 2. Reconhece-se a
aplicação do referido princípio quando verificadas "(a) a mínima
ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação,
(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada" (HC 84.412/SP, Ministro
Celso de Mello, Supremo Tribunal Federal, DJ de 19/11/04). 3. No caso, não
há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento do
paciente, que subtraiu 1 (um) saco de cimento, 2 (dois) sacos de cal e 1 (um)
carrinho de mão usado, bens estes avaliados globalmente em R$ 50,00 (cinqüenta
reais).4. Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte e também no Supremo
Tribunal Federal, a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como
maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impedem a
aplicação do princípio da insignificância.5. Ordem concedida.” (STJ, HC 172805
/ MG. Relator Ministro OG FERNANDES, julgado em 31.08.2010. DJe 27.09.2010.
Sexta turma, p.71).
"PENAL
- HABEAS CORPUS - TENTATIVA DE FURTO DE
UMA BIJUTERIA CUJO VALOR NÃO ULTRAPASSA R$30,00– NEGATIVA DA SUBSTITUIÇÃO E
DO SURSIS – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA – POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA NECESSARIEDADE DA
PENA. SUPERADAS AS DEMAIS PRETENSÕES REFERENTES AO RECONHECIMENTO DE NULIDADES,
MAS CONCEDIDA ORDEM DE OFÍCIO PARA RECONHECER
A ATIPICIDADE DA CONDUTA E DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE
JUSTA CAUSA. 1- Se o bem tutelado nem mesmo chegou a ser ofendido, nem há
relevância na conduta praticada, o princípio da insignificância deve ser
aplicado, afastando-se a tipicidade. 2- A aplicação dos princípios da
necessariedade e da suficiência da punição afasta a aplicação de pena que se
mostra excessiva para reprimir conduta irrelevante. 3- Superados os
argumentos da impetração, foi concedida ordem de ofício, para reconhecer a
atipicidade da conduta e determinar o trancamento da ação penal por falta de
justa causa". (grifado)
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar
Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, vol. 1. São Paulo: Saraiva,
2009.
QUEIROZ, Paulo. Do caráter subsidiário do
direito penal. Lineamentos para um direito penal mínimo. Belo Horizonte: Del
Rey, 2002.
MINAS GERAIS. Superior
Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 172805. Relator: Min. OG FERNANDES. 27 Setembro
2010.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA- HC 90555 / MG -
Habeas Corpus 2007/0217035-8 - Sexta Turma - DJe 14/04/2008
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