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domingo, 5 de novembro de 2017

Espaço do acadêmico - Maria Alice Pereira Pinto de Melo



O crime de furto e o princípio da insignificância



RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de analisar a incidência do princípio da insignificância nos crimes de furto, presente no artigo 155 do Código Penal, e apresentar decisões jurisprudenciais consolidadas que atestam esse uso.

A função do Direito Penal é tutelar os bens jurídicos mais relevantes e essenciais para uma determinada sociedade, quando houver uma grave lesão a este bem protegido pela norma penal, com o objetivo de assegurar o convívio harmonioso da sociedade.

 Nesse contexto, o Direito Penal, por sua natureza fragmentária, não pune todo e qualquer tipo de conduta. Esse caráter fragmentário significa que, uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais, comprovada a lesividade e a inadequação das condutas que os ofendem, esses bens passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal, com todos os seus meios coercitivos. Nos casos em que a lesão for insignificante, ou, ainda, inexistente, há a exclusão da tipicidade.

 Com relação a essa tipicidade, é preciso, antes de tudo, diferenciar as suas espécies. A tipicidade formal é simplesmente a adequação do fato à norma, isto é, ao tipo descrito em lei – o que chamamos de subsunção do fato à norma. Aqui, se todos os elementos do tipo forem preenchidos, a ação do agente encontrará sua tipicidade formal. Por outro lado, a tipicidade material consiste numa efetiva lesão ou ameaça ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Para verificá-la, é preciso analisar se houve ocorrência do pressuposto básico da incidência da lei penal, ou seja, se houve ocorrência de lesão significativa a bens jurídicos relevantes à sociedade.

O princípio da insignificância preconiza que para que uma conduta seja considerada criminosa, pelo menos em primeiro momento, é preciso que se faça, além do juízo de tipicidade formal, também o juízo de tipicidade material. Se a conduta, apesar de formalmente típica, lesar de modo desprezível o bem jurídico protegido, não há que se falar em tipicidade material, o que transforma o comportamento do agente em atípico, ou seja, indiferente ao Direito Penal e incapaz de gerar condenação ou mesmo de dar início ao inquérito penal. Sendo assim, temos que é materialmente atípica a conduta que provoca uma lesão irrelevante ao bem jurídico.

Cézar Roberto Bitencourt (2009, p. 296) traz uma noção do que seja o princípio da insignificância.

Segundo esse princípio, é necessária uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Frequentemente, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material, por não produzirem uma ofensa significativa ao bem jurídico tutelado. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.

A partir dessas considerações e compreendendo que o Direito Penal é a última ratio, e por conta disso, resulta na necessidade de respeito ao princípio da intervenção mínima, como uma forma de limitar o poder do Estado, entende-se que o objetivo dessa ciência penal é a proteção dos bens jurídicos mais importantes para uma sociedade. Esta escolha, feita pelo legislador – a partir da adoção de critérios políticos e baseado no contexto pelo qual está inserida a sociedade, elencou os bens tidos como fundamentais para a manutenção do Estado de Direito. Por isso é que o Direito Penal possui natureza fragmentária, ou seja, não protege todos os bens jurídicos e sim os mais fundamentais e nem tampouco todas as lesões eleitas pela coletividade e sim as mais relevantes e necessárias para o convívio social.

Fazendo uma breve análise do instituto do furto, presente no artigo 155 do Código Penal, temos a seguinte redação:

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O bem jurídico protegido pelo direito penal, no crime de furto, tipificado no artigo 155 do Código Penal, é o patrimônio, estando nele englobado a posse e a propriedade da coisa. Com relação à aplicação do princípio da insignificância ao crime de furto, temos que, ao prescrever os tipos abstratos, o legislador não é capaz de enxergar a intensidade da lesão para que possa auferir uma relevância penal, cabendo aos aplicadores do direito fazer essa análise. Neste sentido, Paulo de Souza Queiroz afirma que: “[…] o que in abstrato é penalmente relevante pode não o ser verdadeiramente, isto é, pode não assumir, in concreto, suficiente dignidade e significação jurídico- penal”. Podemos destacar o entendimento do ministro Celso Antônio Bandeira de Mello acerca da utilização do princípio da insignificância.

Consoante entendimento jurisprudencial, o "princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. (...). Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público." (HC nº 84.412-0/SP, STF, Min. Celso de Mello, DJU 19.11.2004).

Algumas decisões jurisprudenciais atestam a utilização do princípio da insignificância aos crimes de furto.

“HABEAS CORPUS. FURTO. AUSÊNCIA DA TIPICIDADE MATERIAL. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. REINCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE.1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Inocorrência de tipicidade material, mas apenas a formal, quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima. É o chamado princípio da insignificância. 2. Reconhece-se a aplicação do referido princípio quando verificadas "(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (HC 84.412/SP, Ministro Celso de Mello, Supremo Tribunal Federal, DJ de 19/11/04). 3. No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento do paciente, que subtraiu 1 (um) saco de cimento, 2 (dois) sacos de cal e 1 (um) carrinho de mão usado, bens estes avaliados globalmente em R$ 50,00 (cinqüenta reais).4. Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte e também no Supremo Tribunal Federal, a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impedem a aplicação do princípio da insignificância.5. Ordem concedida.” (STJ, HC 172805 / MG. Relator Ministro OG FERNANDES, julgado em 31.08.2010. DJe 27.09.2010. Sexta turma, p.71).

"PENAL - HABEAS CORPUS - TENTATIVA DE FURTO DE UMA BIJUTERIA CUJO VALOR NÃO ULTRAPASSA R$30,00– NEGATIVA DA SUBSTITUIÇÃO E DO SURSIS – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA – POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA NECESSARIEDADE DA PENA. SUPERADAS AS DEMAIS PRETENSÕES REFERENTES AO RECONHECIMENTO DE NULIDADES, MAS CONCEDIDA ORDEM DE OFÍCIO PARA RECONHECER A ATIPICIDADE DA CONDUTA E DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. 1- Se o bem tutelado nem mesmo chegou a ser ofendido, nem há relevância na conduta praticada, o princípio da insignificância deve ser aplicado, afastando-se a tipicidade. 2- A aplicação dos princípios da necessariedade e da suficiência da punição afasta a aplicação de pena que se mostra excessiva para reprimir conduta irrelevante. 3- Superados os argumentos da impetração, foi concedida ordem de ofício, para reconhecer a atipicidade da conduta e determinar o trancamento da ação penal por falta de justa causa". (grifado)



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2009.
 QUEIROZ, Paulo. Do caráter subsidiário do direito penal. Lineamentos para um direito penal mínimo. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
MINAS GERAIS. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 172805. Relator: Min. OG FERNANDES. 27 Setembro 2010.
 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA- HC 90555 / MG - Habeas Corpus 2007/0217035-8 - Sexta Turma - DJe 14/04/2008

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