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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Espaço do acadêmico - Ana Teresa Vieira Selva

Homicídio Qualificado- Art. 121, §2º, IV
            Inicialmente, entende-se o homicídio como sendo a ação ou omissão de ceifar a vida de alguém. Visando à diferença entre os modos, meios e fins que o tipo penal era cometido, é observável no Código Penal o tipo derivado do tipo fundamental, isto é, o homicídio qualificado. Partindo de tais pressupostos, analisaremos especificadamente a qualificadora presente no Art. 121, §2º, IV, ou seja, homicídio cometido à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido, o qual qualifica o homicídio pelo modo de execução. 

            De acordo com Nucci (2007), “trair significa enganar, ser infiel, de modo que, no contexto do homicídio, é a ação do agente que colhe a vítima por trás, desprevenida, sem ter esta qualquer visualização do ataque”. Desse modo, o sujeito passivo encontra-se desprevenido, não tendo tempo para fugir ou reagir. Vale salientar que caso o sujeito ativo ataque subitamente, pela frente, isto se constitui em surpresa que será analogicamente interpretada como “outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. Ademais, caso a vítima tivesse a possibilidade de prever a ação ou de se defender, ocorrerá a exclusão de tal qualificadora, como observa Bitencourt:

            "Recurso que dificulta ou impossibilita a defesa somente poderá ser hipótese análoga à traição, emboscada ou dissimulação, do qual são exemplificativas ... Para se configurar a surpresa, isto é, recurso que torna difícil ou impossível a defesa do ofendido, é necessário que, além do procedimento inesperado, não haja razão para a espera ou, pelo menos, suspeita da agressão, pois é exatamente a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de defesa da vítima que fundamenta a qualificadora" ("Código Penal Comentado", São Paulo: Saraiva, 2002, p. 392).

A seu turno, Nucci enfatiza a posição dada por Bitencourt, nos dizendo que:

"A surpresa na agressão é o fator diferencial que se deve buscar. (...) Entretanto, é preciso agir com cautela para não generalizar, na prática, uma qualificadora que torna a pena do homicídio muito mais grave... É indispensável a prova de que o agente teve por propósito efetivamente surpreender a pessoa visada, enganando-a, impedindo-a de se defender ou, ao menos, dificultando-lhe a reação. É a presença do elemento subjetivo específico ou, na visão tradicional, do dolo específico" ("Código Penal Comentado", 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 553).

Em seguida, apresenta-se a qualificadora “emboscada”, tendo como sinônimo a tocaia, ou seja, o agente aguarda escondido a vítima passar para, então, cometer o homicidio.

                                    Ementa: HOMICIDIO QUALIFICADO. DECIDEM COM ACERTO OS JURADOS QUE ACOLHEM QUALIFICADORA DE EMBOSCADA, UMA VEZ QUE O REU AGUARDOU ATRAS DO MURO DO PREDIO VIZINHO, ARMADO DE ESPINGARDA, A VITIMA SAIR DA CASA DA AMANTE. LEGITIMA DEFESA. NAO PODE ALEGAR LEGITIMA DEFESA O REU QUE ARMADO PREPARA EMBOSCADA E ATIRA NA VITIMA PELAS COSTAS. (Apelação Crime Nº 692070956, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nilo Wolff, Julgado em 01/04/1993)
            Por conseguinte, observamos a dissimulação que possui o significado de ocultar o verdadeiro intento. De acordo com Cleber Masson (2014), pode ser material, por exemplo, o uso de uma farda policial, ou moral, como a falsa demonstração de afeto pela vítima.
            Por fim, “outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa da vítima”, fórmula genérica que permite ao aplicador do direito qualificar o crime pelo uso de algum meio análogo a traição, emboscada, ou dissimulação. Por dificultar, entende-se a ação que diminui as possibilidades de defesa da vítima, mas não as anula, diferenciando-se, pois, da impossibilidade, momento em que é nula qualquer defesa por parte da vítima. Por exemplo, a defesa se torna impossível quando o homicida comete o crime enquanto a vítima dorme.


Espaço do acadêmico - Maria Inez Vianna

Qualificadora e Circunstância

Qualificadora e circunstancia, são assuntos contemplados no Código Penal Brasileiro um na parte geral e outro na parte especial, respectivamente. Além de serem essenciais para a fixação da pena, que nos primórdios ficava a livre-arbítrio do juiz, sem qualquer limitação, tal forma foi considerada injusta. Entretanto, no Brasil as penas estavam sobre um rígido regime, no qual eram pré-fixada, somente com o código de 1940, houve um “equilíbrio”, em que o juiz gozava de certa liberdade na aplicação das penas, porém o juiz deveria analisar as circunstancias, tendo assim uma sentença mais justa e acertada, para a repressão e prevenção.

Porém são assuntos que podem causar certa confusão pela sua proximidade, logo vejo como sendo necessária uma breve conceituação.

Circunstâncias são as particularidade de um fato, aquilo que estaria a margem, como situações auxiliares para a compreensão do ocorrido. Sua importância seria percebida no aumentar ou diminuir da pena aplicada, tendo ciência de que circunstância não muda a essência do crime.

“...são circunstâncias do crime determinados dados que, agregados à figura típica fundamental, têm função de aumentar ou diminuir suas consequências jurídicas, em espécie a pena.” (MIRABETE, JulioFabbrine e FABBRIN, Renato N. Manual de Direito penal, volume 1: parte geral. 30ª ed. São Paulo: Atlas S.A., 2014, p. 467).

É importante atentar para os tipos de circunstancias existentes. A objetiva está relacionada com a materialidade do delito, ou seja, leva em consideração à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima. Já as circunstancias subjetivas analisa os motivos que levaram o agente cometer o delito, a relação com a vítima.

Para exemplificar: Um crime de homicídio simples, segundo o art. 121, caput do CP teria como pena reclusão de 6 a 20 anos, porém se o homicídio é cometido com o uso de tortura tem sua pena aumentada. O uso de tortura é uma qualificadora, como se observa no Art. 121 §2º, inciso III do CP, logo a pena seria de 12 a 30 anos de reclusão.

É interessante ressaltar que esse aumento ou diminuição da pena-base, deve respeitar os limites legais pré-fixados na/em lei. As circunstâncias judiciais são/é a segunda fase do sistema trifásico para a aplicação da pena, no qual consideramos os atenuantes e agravantes genéricos. Outro esclarecimento importante, quando o crime já é qualificado, não se pode agrava-lo pela mesma circunstância, ou quando existe pluralidade de circunstância, deve-se salientar a mais relevante e agrava-se sobre o conjunto.


Espaço do acadêmico - Marina de Lucena Ferreira



         O motivo torpe, elencado no artigo 61, I, do Código Penal, está entre as circunstâncias que sempre agravarão a pena, quando não constituírem ou qualificarem o crime. Assim, pode-se dizer que tais circunstâncias, não integram o tipo penal mas devem subsidiar o agravamento da pena a ser fixada, caso o agente as tenha praticado no caso concreto. Em outras palavras, elas demonstram um grau maior de reprovação da conduta do sujeito que praticou determinado crime.

         Mas afinal, o que o motivo torpe representa?

         Segundo Cleber Masson, motivo torpe é o vil, repugnante, abjeto, moralmente reprovável. Exemplo: matar um parente para ficar com sua herança. Fundamenta-se a maior quantidade de pena pela violação do sentimento comum de ética e de justiça.

         Sendo assim, de acordo com essa e outras perspectivas doutrinárias, se pode dizer que o motivo torpe étodo aquele que cause uma repulsa social, ou seja, toda atitude que leve a uma quebra" da moralidade média da sociedade e que represente uma depravação espiritual do sujeito. Causando, assim, um sentimento de revolta, indignação, etc.

         Atualmente, não é difícil encontrar casos que exemplifiquem esse tipo de agravante do crime. Seja em jornais ou revistas, há sempre notícias que irão causar a indignação da sociedade. Vejamos:

"A advogada Roberta Tafner, filha única, é acusada de ter planejado a morte dos pais, Wilson Roberto Tafner, de 68 anos, dono de uma empresa de representações, e Tereza Maria Nogueira Cobra, de 60 anos, advogada. O casal, que era separado, mas mantinha um bom relacionamento, foi atacado ao voltar para a casa, em Alphaville, bairro nobre da Grande São Paulo, após um jantar, em Outubro de 2010, quando a filha tinha 29 anos. O motivo, segundo a polícia, seria a herança (eles possuíam bens, imóveis e um seguro de vida de R$ 1 milhão que beneficiaria a filha).

         Damásio de Jesus, ainda classifica como exemplos :o homicídio de esposa por negar-se àreconciliação, matar a namorada por saber que não era mais virgem, etc.
         Dentro de outra perspectiva, vejamos um exemplo colhido da jurisprudência:

"HOMICÍDIO. QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. ACUSADA QUE, SENTINDO-SE DESPREZADA PELO AMANTE, RESOLVE VINGAR-SE, MATANDO-O. QUALIFICADORA COMPROVADA E CARACTERIZADA. RECURSO IMPROVIDO. (TJRS, Recurso Crime nº 689062628, Segunda Câmara Criminal, Relator: João Ricardo Vinhas, Data de Julgamento: 26/10/1989)”."

       Por fim, é válido ressaltar que o ciúme, segundo os entendimentos jurisprudenciais, não é considerado motivo torpe. Afinal, ociúme, por si só, sem outras circunstâncias, nãocaracteriza tal agravante. Além disso, segundo Cleber Masson, quem mata por amor, embora criminoso, não pode ser taxado de vil ou ignóbil, e tratado àsemelhança de quem mata por questões repugnantes, tais como rivalidade profissional, pagamento para a prática de homicídio, etc.Da mesma forma, a vingança não caracteriza automaticamente a torpeza. O que determinaráse a conduta carrega ou não uma reprovação moral, seráo motivo que levou o sujeito ao cometimento do crime. Assim, o que levou o indivíduo a vingar-se de alguém. De tal modo que exige-se uma avaliação no caso concreto.

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL HOMICÍDIO E LESÕESCORPORAIS. QUALIFICADORAS. PRONÚNCIA.
I - A qualificadora de homicídio, para ser admitida na pronúncia iudicium accusationis), exige a existência de indícios e sobre eles, sucintamente, deve manifestar-se o magistrado (Precedente).
II - O ciúme, por si só, sem outras circunstâncias, não caracteriza o motivo torpe.
Recurso conhecido e desprovido.
(STJ, Recurso Especial nº171627 / GO, Relator: Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, Julgado em 21/09/1999, Publicado em 18/10/1999)."



Bibliografia:
-      Masson, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 a 212). São Paulo, Editora Método, 2013.
-       Fernandes, L.S.M. Motivo Torpe para o Direito Penal. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/34080/motivo-torpe-para-o-direito-penal.>. Acessoem: 17 Fev. 2015
-      http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-08-07/relembre-outros-casos-famosos-de-filhos-que-mataram-os-pais.html

        

        






Espaço do acadêmico - Maria Eduarda C. H. Velho Barretto

Bem jurídico protegido e sujeitos do delito no crime de homicídio

 Maria Eduarda C. H. Velho Barretto 

Ao falar do art. 121 do Código Penal brasileiro devemos atentar ao bem jurídico protegido e aos sujeitos envolvidos no tipo penal. 

Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. 

Temos no homicídio a destruição da vida, logo, o bem jurídico tutelado é a vida humana. Tal bem jurídico é assegurado pela Constituição Federal, visto no caput do art. 5°, a “inviolabilidade do direito à vida”, garantindo a proteção da vida alheia, de todo o ser humano nascido com vida (objeto material), não admitindo restrições ou distinções. Configura-se o delito de homicídio a morte de qualquer pessoa, mesmo que esta esteja preste a morrer ou consinta com o mesmo. 

O ideal de proteger o ser humano desde o seu nascimento até a sua extinção, é fruto de uma concepção filosófica que valoriza o ser humano acima de tudo, buscando afastar-se da concepção de “coisificação” do homem, como afirma Beccaria¹ “não existe liberdade onde as leis permitem que, em determinadas circunstâncias, o homem deixe de ser ‘pessoa’ e se converta em ‘coisa’”. 

Ao falar dos sujeitos no delito de homicídio, podemos enquadrar qualquer pessoa como sujeito ativo, pois o tipo penal não exige qualquer tipo de qualificação. Sujeito passivo é o homem com vida que ao mesmo tempo passa a ser o objeto material do delito, uma vez que sobre o mesmo recai a conduta do sujeito ativo. Nota-se que a configuração do sujeito passivo dar-se-á todo ser humano com vida, tal restrição delimita alguns casos, pois, caso haja morte intrauterina teremos o delito de aborto, art. 124, CP, visto que, o limite mínimo para configurar o delito de homicídio é o começo do nascimento, marcado pelo início das contrações expulsivas. Nos casos de cesariana, que não se produz espontaneamente as contrações, o começo do nascimento é determinado pelo início da operação. 

Por fim, o questionamento acerca da determinação da morte é extremamente controvertido, no Direito Penal não é aceito a concepção puramente biológica. Portanto, para médicos e juristas, a morte se dá com a cessação irreversível das funções cerebrais. 


Bibliografia: PRADO, Luís Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. [1] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

Homicídio


É comum o conceito de que o homicídio é “o ato humano consistente na supressão da vida humana extrauterina.”

O Código Penal resguarda em seus artigos a nossa história. Não é possível  esquecer as especiais condições da colonização do território brasileiro. Aqui o homem ficou isolado, longe da corte de Portugal e das terras conhecidas. Ele entrou nos chamados “sertões” até para escapar do medo que dominava os habitantes do litoral que, a cada vela no horizonte corriam para longe da vila carregando seus valores com medo das incursões dos piratas. É Sergio Buarque de Holanda quem disse que os homens já tinham seus objetos entrouxados para mais rapidamente se ocultar nas matas.

Longe da autoridade, quer civil ou religiosa, ele foi obrigado a criar um código de comportamentos para sua segurança e relacionamentos. Assim o furto de animais de tração como os destinados a alimentação assumia uma reprovabilidade maior que pequenas agressões praticadas abertamente, estas quase consideradas toleráveis. O mesmo procedimento se praticado com aleivosia, insídia ou traição trazia consequências graves para o agente. Os filhos legítimos ou não ajudavam no trabalho e administração dos bens, e curiosamente eram bem recebidos pelas esposas que os admitiam no interior das casas, chamando-os de “afilhados”. Já o desvio do leito por parte da mulher, ou seja a traição conjugal, exigia morte de alguém. A questão da herança era algo muito sério, considerado como provocação e violação, o que autorizava a retaliação mortal, considerada justa. O estupro ou rapto era um crime que tinha como sujeito ofendido o marido ou pai.

Trair a confiança, praticar emboscada, dissimular o comportamento equivaliam a pecados socialmente mortais.

Em nossa direito, contudo, não resta espaço no conceito de homicídio para certas considerações como “morte justa” ou “indevidamente praticada por outro”. Embora não seja possível, em razão da cultura do povo, abstrair a ideia de injustiça ou da visão filosófica sobre o relacionamento de um homem com outro e com o meio ambiente ou da percepção do biólogo sobre o sistema químico de trocas. Não se pode ignorar totalmente a questão religiosa no que diz respeito à morte de alguém.

Na realidade o interesse legal na conservação da vida humana não está apoiado em nobres motivações filosóficas ou de cunho religioso sob a inspiração de ser a vida um dom criado por Deus e que somente a divindade poderá extingui-la. A lei protege a vida por um inevitável interesse público ligado a elementares condições da vida em sociedade.


Premeditação
É conhecida a máxima de que “a vingança é um prato que se come frio”. Na verdade a vingança, assim como uma viagem ou determinados encontros, tem grande parte do seu prazer obtido com o pensamento prévio à ação. Na lei brasileira, ao contrário do que se pode legitimamente pensar, não está prevista a premeditação como causa de aumento de pena. Pode-se  até dizer que a premeditação já está inclusa na primeira fase do iter criminis, que é a cogitação. Um espaço de tempo alongado, onde o agente se compraz em imaginar, antegozar o crime, não sai da esfera do subjetivo, não interessando especificamente a norma penal.

Autores como Damásio ou Heleno Fragoso chegam a interpretar a premeditação como algo favorável ao agente, por ser possível a ideia de que revela hesitação ou resistência à ação criminosa. Não é absurdo admitir a prática de um homicídio motivado por relevante valor social (não se fala da violenta emoção que explode no momento) após premeditação.


PREVISÃO LEGAL

No § 2º encontramos em aberto no caso da previsão legal a possibilidade de inclusão, por equiparação, de outras hipóteses não especificamente marcadas. Deve ser observado que qualquer inclusão deve estar restrita a semelhança com as elencadas.  (não é analogia incriminadora)

Homicídio qualificado



01 – MOTIVOS DETERMINANTES
I - TORPE, PAGA, II - FÚTIL, V - EXECUÇÃO DE OUTRO CRIME, OCULTAÇÃO, IMPUNIDADE, VANTAGEM

02 – MEIOS DE EXECUÇÃO
III - VENENO, FOGO, EXPLOSIVO, ASFIXIA, TORTURA, MEIOS INSIDIOSOS, MEIOS CRUÉIS

03 – MODOS DE EXECUÇÃO

IV - TRAIÇÃO, EMBOSCADA, DISSIMULAÇÃO, DIFICULTAR, IMPOSSIBILITAR
Torpe

No caso do § 2º inc. I do Art. 121 do CP que qualifica como torpeza a promessa ou paga de recompensa como motivação do homicídio é evidente a ação desviante do que dá a ordem assassina. Na realidade ele está, com base no seu poder econômico, capacidade de comando - qualquer que seja à base de sua autoridade -, ou simplesmente por ser a encarnação visível da capacidade de resolução com firmeza dos conflitos naquela área onde o poder regulador do Estado não se faz presente e ele o substitui.

A torpeza, embora seja normalmente referida apenas como o comportamento que causa repugnância ou profunda desaprovação por parte do cidadão comum, traz consigo uma série de agressões a importantes normas morais que estabelecem condições para uma vida social sem muitos prejuízos ou conflitos. Com apoio em Durkheim popularizou-se a ideia de que as infrações mais graves à lei moral são as consideradas mais danosas na lei penal, como o estupro, roubo, e mais especificamente o homicídio. Como o homem não nasce destinado a prática de atos que por seu exacerbado egoísmo são definidos como criminosos, se aceita como mais lógico que ele seja estimulado ou levado a sua prática. A Teoria da associação diferencial insiste em que o crime é sempre aprendido. Ele jamais é herdado, criado ou inventado. Basicamente a teoria tem como fundamento o argumento de que uma pessoa torna-se criminosa porque recebe mais estímulos favoráveis à violação da lei do que desfavoráveis a essa violação.

A promessa ou paga de vantagem traz mais danos que a perda de uma vida. Representa o rompimento do dique que contém a violação da lei e estimula o desrespeito pelas normas sociais como um todo. O sacrifício de uma vida no altar do egoísmo submete definitivamente a sociedade ao interesse particular, estabelecendo na mente do delinquente a aceitação da possibilidade de que a partir do homicídio praticado ele está liberado para a realização de qualquer outro delito que se apresenta como menor.

A cultura ocidental, desde a época de S. Tomás tem aceitado que não se pode matar um homem, exceto se for um malfeitor e a ação for ordenada ao bem de toda a comunidade. “Quem matar um malfeitor sem ter o cargo da administração pública será julgado como homicida” (Tratado da Justiça – Summa Teológica – Res Editora – Portugal). Ainda que admita que o homem perverso seja pior que um animal e é mais nocivo que este, S Tomás lembra Ezequiel: “Não quero a morte do pecador, mas que este se converta e viva.” (Ez 33, 11).

No inc. I do § 2º do art.121 temos a prática de um homicídio determinado por um homem motivado por sentimentos que por si dão origem a comportamentos antissociais como a inveja, ciúme desmedido, ambição, ira.

A moeda de troca pela vida pode consistir em dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial, o que se traduz em uma longa série de possibilidades que podem partir do perdão de uma dívida até um aumento patrimonial.

A ânsia assassina vai ainda mais longe ao trazer para a prática do crime um terceiro instigado pela cobiça ou miséria particular. Assim combinados ambos ferem gravemente a sociedade.   


Matar alguém em razão de pagamento para tal ou sob promessa de recompensa deixa às claras a frieza e insensibilidade perante o ataque ao maior bem jurídico que é a vida humana. Aquele que executa a vítima não possui razões pessoais que justifiquem o seu comportamento. Ele mostra uma total insensibilidade moral, revelada no desprezo pelo sofrimento da vítima e pelas consequências da morte de um ser humano. O mandante, por seu turno, busca a impunidade e segurança pessoal, escudando-se no seu poder econômico.

Autores como Fernando Pedroso e até Nélson Hungria fizeram referências ao fato de matar “pelo prazer de matar”, como torpeza. Creio que se trata mais da hipótese de aplicação do art. 26.

É torpe o motivo que leva o filho a matar o pai ou contratar alguém que o faça para obter herança, livrar-se das admoestações, dos corretivos normais. Tais ações são consideradas torpes, isto é, repugnante, abjeta. É torpe o comportamento do pai que busca lucro prostituindo uma filha menor. “A torpeza traduz um grau especial de perversidade.” (Nélson Hungria)

Aplica-se a qualificadora ao autor material em conjunto com o intelectual?

Sim. O CP diz “mediante paga”. Mediante significa “ficar no meio” vinculando o mandante ao executor. Se a lei estivesse voltada apenas ao executor teria dito “para obter paga ou promessa de recompensa”, o que não ocorreu. (Moura Teles)

Podemos ter um homicídio qualificado e privilegiado?

Sim. Nada impede que mandante e executor tenham agido ao mesmo tempo por motivo de relevante valor moral. O pai, já velho e sem força pessoal contrata a morte do estuprador da filha menor. O executor aceita a tarefa, pois está desempregado e sua mulher e seus filhos estão passando fome.  (Os imperdoáveis, filme de Clint Eastwood)


HIPÓTESE:
“A”, desesperado com o sofrimento do pai, em estado terminal e sem possibilidade de cura, com o objetivo de abreviar-lhe ou por fim ao seu sofrimento em gravíssima doença, contrata alguém mediante paga para que pusesse fim ao sofrimento, eliminando-lhe a vida. A ação é privilegiada ou qualificada?     

CP 121 § 2º II


 Fútil

A Exposição de motivos da parte especial do Código Penal esclarece que é fútil o motivo “que pela sua mínima importância não é causa suficiente para o crime”.

Fútil é o motivo desproporcionado em relação à possível provocação. Ele é insignificante, sem força suficiente para deflagrar em alguém uma resposta tão forte que venha a atingir o assassinato do presumível ofensor. O motivo fútil choca a sociedade por ter origem em mínima ofensividade. De modo distinto do motivo torpe que deixa transparecer insensibilidade moral a futilidade revela absoluta falta de controle do agente quanto as suas reações. Provavelmente é muito mais perigoso como comportamento do que o motivado pela ânsia de lucro ou vingança. Fútil é o comportamento do agente que mata alguém que dirigia outro veículo e que se envolveu em acidente de transito sem maiores consequências ou que mata o torcedor de clube esportivo adversário que comemora a vitória.

O motivo fútil – é preciso que se insista no ponto – traz consigo uma maior reprovabilidade da conduta, pois o agente revela monosprezo pelos valores atingidos e danos provocados.

A futilidade tem origem na prepotência e intolerância que caracterizam certos indivíduos que se consideram melhores, pela força do poder econômico, ou superiores em razão do físico, intelecto ou aptidão moral. São pessoas que não absorveram ou não dão valor às regras mínimas de convivência, pondo acima de qualquer consideração a sua vontade ou desgosto. Contrariados iram-se e se voltam contra os mais fracos ou os que estão mais próximos. Ainda que não sofra uma agressão, por não receber o que quer ou não ouvindo o que lhes agrada ou não vendo o que desejam, reagem nos limites da inconsequência e matam.

O ciúme é motivo fútil?

Não. Malgrado ser um sentimento de posse, não é um motivo insignificante. A psicologia o considera transtornador. Não é insignificante, sem importância.
Vale lembrar Shakespeare:

         “Meu senhor, livrai-vos do ciúme!
         É um monstro de olhos verdes, que escarnece
         do próprio pasto em que se alimenta.
         Que felizardo é o corno
         que, cônscio de que o é, não ama a sua infiel!
         Mas que torturas infernais padece
         o que, amando, duvida, e, suspeitando, adora!”
         Otelo, Ato 3


O descontrole ou perda dos freios morais em caso de ebriez conduz necessariamente a motivo fútil? Não. Veja a teoria da actio libera in causa. É homicídio simples, se imputável.

Ausência de motivo é motivo fútil? Não há consenso, porém como o homicídio simples é conceituado como aquele que não possui nenhum elemento do § 1º ou, pode-se dizer que não.


Uma ação injusta pode não estar em desconformidade com o direito ou a ética, e não ser desproporcionada como antecedente psicológico do crime. Consideradas as circunstâncias até um apelido, que se sabe desagradável a quem o possui, pode efetuar uma provocação. Em tal caso é lógico se pensar na aplicação do § 1º.